As bibliotecas parque do Rio de Janeiro estão funcionando em horário reduzido, por causa do recesso de fim de ano, mas, se permanecerão abertas em 2017, é ainda incerto. Após o fim do contrato com a instituição que as geria, apenas a unidade de Niterói conseguiu garantir novo convênio, tendo fechado acordo com a prefeitura do município para funcionar por mais 12 meses. O futuro das bibliotecas parque da Rocinha, de Manguinhos e da Biblioteca Pública do Estado, no Centro, depende de confirmação de quem será o novo gestor.
A seguir, confira entrevista com Vera Saboya, que desenvolveu o projeto de bibliotecas parque do Rio de Janeiro. Realizada em 2013, ainda durante o estágio inicial de implementação do programa de bibliotecas, a entrevista foi publicada no Blog Acesso, no dia 25 de abril daquele ano, e trata, em especial, da formação de leitores e do acesso à leitura.
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Em Bogotá e Medellín, na Colômbia, a bem-sucedida política de implantação de bibliotecas parque tornou-se referência em desenvolvimento social e enfrentamento à violência urbana. O comprometimento do poder público com a estratégia, no caso de Medellín, investindo 40% do orçamento municipal em educação e 5% em cultura, foi capaz de superar os altos índices de criminalidade pelos quais a cidade tornou-se notória durante os anos 1990.
Com inspiração na experiência colombiana, as bibliotecas parque do estado do Rio de Janeiro – vinculadas ao Programa de Aceleração do Crescimento – PAC do governo federal – vêm desenvolvendo um novo conceito de promoção do acesso à leitura e de formação de leitores, integrando o acervo bibliográfico a linguagens artísticas diversas, à produção cultural e às comunidades do entorno. Sobre tal proposta, o Acesso conversou com Vera Saboya, superintendente de Leitura e Conhecimento da Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro.
Acesso – As bibliotecas parque são apresentadas como uma mudança de paradigma em relação à promoção da leitura. Em que consiste essa mudança?
Vera Saboya – Biblioteca é uma coisa tão antiga e a gente está falando de um novo conceito de formação para a leitura. A biblioteca parque é um espaço de leitura, de pesquisa, mas também é um espaço que é ponto de encontro e produtor de cultura. Dentro da biblioteca parque, você tem acesso a teatro, cinema, em alguns casos a aulas de dança e, em outros, até a uma cozinha escola, como na Rocinha. Cada uma delas tem uma particularidade dentro dessa rede que estamos formando aqui no Rio de Janeiro.
Acesso – E como essas atividades se relacionam com a leitura?
V. S. – Na medida em que você propõe a biblioteca como um espaço ativo de produção literária, cultural e artística, você, imediatamente, faz com que aquele acervo de livros, tanto impressos como digitais, ou mesmo de filmes e músicas, circule se relacionando o tempo todo com a própria experiência estética daquelas artes. Por exemplo, temos programas de laboratórios, que duram sempre entre 10 e 12 meses, e um deles é o de artes cênicas. Na medida em que esse laboratório acontece dentro do espaço da biblioteca, toda a literatura de dramaturgia que está na biblioteca faz um sentido muito maior para o frequentador.
Acesso – A comunidade interfere na programação ou na gestão da biblioteca de alguma forma?
V. S. – A comunidade participa da formação e opina a respeito da programação. Antes de montar a programação da biblioteca em determinado espaço, determinado bairro, conversamos muito com a comunidade. Por exemplo, na Rocinha temos uma cozinha escola porque a comunidade pediu, o que nos leva a também incrementar o acervo relacionado. Em Manguinhos, temos um cinema sendo montado por uma demanda da população. Ali não há nenhum cinema ou teatro, nem mesmo nas proximidades.
Acesso – A formação de leitores, portanto, está relacionada diretamente às atividades de formação e produção cultural?
V. S. – Os programas de laboratórios, que chamamos de Laboratórios da Palavra – a palavra escrita ou falada –, é que fazem com que esse espaço seja vivo e experimental. É nesse sentido que essas bibliotecas revolucionam o modo de formar leitores. O menino que mora, digamos, em Manguinhos, com 12 ou 14 anos de idade, que não tem acesso a livrarias – não só porque elas não existem como também porque ele não tem recursos para comprar livros –, passa a ter acesso, da noite para o dia, a uma coleção de livros de 25 mil títulos, que vão desde a filosofia grega até o best-seller do momento. Como apresentar esse acervo para ele?
Acesso – Por meio da formação e da experiência estética?
V. S. – Exatamente. O acervo é promovido pelo conteúdo dos laboratórios, pela arte. Por isso a biblioteca parque é inovadora.
Acesso – Esse conceito é inspirado na experiência colombiana?
V. S. – Não apenas na experiência colombiana, mas, certamente, a biblioteca parque é nela inspirada com muita força. Na Colômbia, esse programa veio ocupar espaços nas favelas de Medellín e de Bogotá junto às ações de pacificação. O programa de pacificação e de repressão ao narcotráfico na Colômbia veio com esse pacote conjunto de educação e cultura e, no caso da cultura, com as bibliotecas parque. No Rio de Janeiro, estamos fazendo exatamente isso. Por exemplo, quando você entra com o PAC em Manguinhos, você entra com a escola, com a biblioteca parque e com a unidade pacificadora, além da unidade de atendimento médico. É uma forma de fazer chegar àquele lugar todos os serviços do Estado que antes não estavam presentes naquela comunidade. E a biblioteca parque é, no Rio de Janeiro, a forma que a Cultura encontrou para chegar a esses lugares com livros, literatura, artes plásticas, cinema, teatro.
Acesso – A instalação das bibliotecas parque segue o roteiro das ações de pacificação no Rio de Janeiro?
V. S. – Em Manguinhos, por exemplo, entramos antes da pacificação. Na Rocinha, chegamos uns 10 dias depois. Começamos a construir antes, não sabíamos qual seria a data da pacificação, mas, por acaso, coincidiu. Mas o programa não é restrito a territórios pacificados, é um programa para todo o estado do Rio de Janeiro. Há uma relação direta com a pacificação porque entramos em um território onde não havia qualquer serviço do Estado. O programa contribui, mas não é restrito a isso. A Biblioteca Pública do Estado, na Avenida Presidente Vargas, que estamos reformando, está no centro do Rio de Janeiro e é também uma biblioteca parque. A Biblioteca Pública de Niterói, que teve o prédio restaurado, no centro de Niterói, é uma biblioteca com programação de biblioteca parque, embora não esteja em uma comunidade.
Acesso – Qual será a próxima biblioteca parque implantada?
V. S. – Já temos unidades em Manguinhos, em Niterói e na Rocinha e vamos reabrir, este ano, a Biblioteca Pública do Estado, que é a principal, a cabeça da rede. Acredito que a gente vá conseguir também inaugurar a biblioteca parque do Alemão, se não até o final deste ano, no início do ano que vem. Todas partem do mesmo conceito, mas com diferenças particulares em relação às demandas de cada território.
Bernardo Vianna / Blog Acesso