Publicado originalmente em Blog Acesso – o blog da democratização cultural em 16 de fevereiro de 2012.
“O Cordão da Bola Preta é o mais antigo e o mais tradicional bloco de rua do Rio de Janeiro”, afirma o presidente do bloco, Pedro Ernesto Marinho. Fundado em 1918, o Bola Preta jamais deixou de tocar suas tradicionais marchinhas – como a inesquecível “Quem não Chora não Mama”, de Vicente Paiva – um ano sequer, sempre no sábado de carnaval, ao longo de seus mais de 90 anos. “Sem dúvida o Bola Preta tem uma responsabilidade com o carnaval carioca. Mesmo quando diziam que o carnaval de rua estava acabado, o Bola Preta sempre foi fiel em todos os anos”, conta Pedro Ernesto.
Em 2010, o Bola Preta foi reconhecido como patrimônio cultural do povo carioca pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. No mesmo ano, o bloco reuniu, em seu desfile na Cinelândia, no Centro do Rio de Janeiro, 1 milhão de pessoas. Em 2011, atingiu a marca de 2 milhões de foliões brincando com o bloco. Para o presidente Pedro Ernesto, o público cada vez mais numeroso atraído pelos blocos deve-se à democracia do carnaval de rua do Rio de Janeiro. “Os blocos não têm porta de entrada ou porta de saída. Vai quem quer, canta quem quer, usa fantasia quem quer: o que mais atrai as pessoas é essa liberdade”.
Felipe Ferreira, professor do Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e coordenador do Centro de Referência do Carnaval, concorda com o presidente do Bola Preta no que diz respeito ao fato de o crescimento do carnaval de rua dever-se à liberdade de expressão proporcionada pelos blocos. “Vivemos em um período em que a principal questão cultural é a diversidade. O bloco de rua está mais próximo da criação de cada um. Você pode organizar seu bloco, fazer sua fantasia, criar sua marchinha, ir a mais de um bloco no mesmo dia. Há uma grande diversidade de escolhas”, explica o professor.
Segundo Felipe Ferreira, os blocos acabaram por ocupar o espaço deixado pelas escolas de samba, que seguiram um caminho diferente e, hoje, apresentam um desfile tão complexo que não cabe mais nas ruas. “As escolas de samba ficaram muito grandes. Foram crescendo por um lado, mas perdendo espaço nas ruas e deixando um vácuo. E o gosto das pessoas pela brincadeira de carnaval foi ocupando esse espaço com os blocos”, conta.
“Os blocos são uma nova velha forma de brincar, muito parecidos com o que havia na segunda metade do século 19”, diz Felipe Ferreira. De acordo com o professor, o final do século 19 seria o primeiro momento da história do carnaval de rua, que mais tarde experimentaria novamente grande popularidade nos anos 1920, com a explosão das marchinhas.
Forma de música popular fácil de aprender, a marchinha é rapidamente assimilada pelos foliões, que logo passam a cantá-la, acompanhando os blocos. Outro período de destaque da história do carnaval de rua carioca seria a década de 1960. Segundo Ferreira, diante da repressão da ditadura militar, os blocos passam a representar uma postura mais nitidamente política de ocupação das ruas, como foi o caso da irreverente Banda de Ipanema.
A “retomada” do carnaval de rua
Atualmente, os blocos vivem mais um momento de grande popularidade, trazendo as fantasias mais uma vez para as ruas. Para Ferreira, a fantasia é um elemento importante para se compreender a revitalização dos blocos. “Muito da força dos blocos se deve a eles serem o espaço para se fantasiar”, explica o professor. As fantasias seriam também formas de expressão pessoal. Por meio da ironia, também permitem a crítica social e a crítica de gênero, expressada por homens vestidos de mulher. “É uma forma de exprimir ideias, uma oportunidade de exercer sua liberdade”, avalia o professor.
Para Miguel Maron, músico de blocos como o Boi Tolo, o Céu na Terra e a Orquestra Voadora, a fantasia é o que dá o caráter lúdico e encantador do carnaval. “É o que torna o carnaval especial. A forma de se vestir marca a diferença do cotidiano. E é um desafio criativo variar e trazer novas personagens”, diz o músico.
Segundo Miguel, o movimento de revalorização do carnaval de rua teve seu início há cerca de 10 anos. “Na verdade, um pouco antes disso, o Cordão do Boitatá começou esse movimento de valorizar as marchinhas, o carnaval de rua com as fantasias”, lembra. O músico conta que o Céu na Terra, bloco do qual faz parte, reforçou o mesmo movimento pouco tempo depois. “No começo éramos uns dez tocando, com umas 20 pessoas atrás. Hoje, somos uns 45 e o público já não dá nem para contar”, comenta.
Miguel acredita que muitos dos blocos mais novos surgiram entre músicos amigos, que tocavam em outros blocos e resolveram apresentar propostas diferentes. “Por exemplo, os músicos da Orquestra Voadora tocavam no Céu na Terra e resolveram trazer essa nova proposta de tocar funk groove, rock e outros estilos com uma formação de sopros e bateria desmembrada”, explica. Para o músico, a maior parte dos novos blocos surgiu de modo informal, em rodas de amigos e, posteriormente, começou a reunir cada vez mais pessoas.
A diversidade de estilos musicais passou a ser um diferencial do carnaval do Rio de Janeiro, segundo Miguel. “O carnaval passou a agregar muitos grupos diferentes, o que permite variar os estilos musicais e tornar o carnaval mais plural, com possibilidades de envolver os mais variados tipos de pessoas”, observa.
Bernardo Vianna / Blog Acesso