* Publicado originalmente em Blog Acesso – o blog da democratização cultural em 07 de fevereiro de 2012.
Software livre é todo programa de computador cujo código pode ser livremente acessado e alterado pela comunidade de usuários. Ele é uma construção coletiva e, como tal, é capaz de se adequar aos usos que dele são feitos pelas pessoas. Os softwares livres podem ser, além de modificados, livremente reproduzidos e utilizados. A única restrição é o impedimento de que o código possa vir a ser registrado por algum proprietário, o que garante que ele estará sempre acessível para qualquer um. O uso do software livre possibilita não só a democratização da cultura digital, como serve de alavanca para os avanços e para a autonomia tecnológica do país.
Para o designer e diretor de arte Edu Agni, é importante salientar que o software livre não deve ser visto como algo exclusivo para programadores, como muitos pensam. Segundo o designer, “o que impulsiona o movimento pelo software livre não é o fato de o mesmo ser economicamente viável ou tecnologicamente sustentável, mas sim o fato de ser socialmente justo”. Edu não tem dúvidas de que todo software é um produto cultural. “A partir do momento em que olhamos para o software não como um produto comercial, mas sim como o resultado de um trabalho coletivo, construído e disseminado com base numa ideologia de liberdade comum, com a finalidade de beneficiar a sociedade”, argumenta. Segundo o especialista, o software livre proporciona a democratização de tecnologias que possibilitam a produção e a internet possibilita o compartilhamento e o acesso a toda essa produção.“Para disseminar a cultura livre de forma consistente, precisamos da participação de profissionais de outras áreas, como jornalistas, músicos, biólogos e designers”. A produção de softwares livres, de acordo com Edu, trata da produção de um bem cultural que irá beneficiar pessoas em todas as instâncias profissionais, educacionais e culturais. “Não se trata de código, mas de um bem coletivo para a sociedade, sendo assim todos devem conhecer e podem colaborar”, conclui.
O jornalista Paulo Moraes trabalha no Ponto de Cultura Museu da Oralidade, em Três Corações, interior de Minas Gerais, exclusivamente com softwares livres. “Produzimos todos os materiais de divulgação, tais como revistas, livros, exposições, em software livre”, explica. De acordo com o jornalista, o principal benefício é a criação de um modelo de produção cultural que, no que diz respeito ao software, é independente de amarras legais. O software livre, segundo o jornalista, permite uma constante experimentação de soluções, buscando adequar os softwares às necessidades dos usuários. “No caso do software proprietário, você fica amarrado ao programa e à versão que comprou e, não raro, tem que se adaptar, quando deveria ser o contrário”, completa.
O designer Felipe Kussik é membro da WordPress-Br, comunidade brasileira de tradutores do WordPress, desde 2008, quando foi lançada a primeira versão do software em português do Brasil. O WordPress está entre os softwares de gerenciamento de conteúdo mais utilizados no mundo, e é também adotado em portais do governo brasileiro como o do Ministério da Cultura. Para Felipe, a tradução é importante para garantir acesso mais fácil ao WordPress para os brasileiros, mas é um trabalho menor se comparado ao da comunidade de desenvolvedores ou ao trabalho das pessoas que produzem o conteúdo que será publicado por meio do software. O designer participou do desenvolvimento do site do Coletivo Soylocoporti, que, utilizando softwares livres, promove a integração dos países latino-americanos por meio da valorização da cultura e democratização da comunicação. Segundo ele, “a vantagem de usar software livre é o sentimento de estar participando de algo maior; é gerar discussão e compartilhar o conhecimento”.
Felipe Cabral atua em projetos e ações ligadas ao software livre desde 2004. Ministrou oficinas no Projeto Casa Brasil do governo federal, em telecentros das cidades de São Paulo e de Guarulhos e, atualmente, faz parte da equipe do Ponto de Cultura Nós Digitais, de São Carlos. Para Felipe, nenhum projeto de inclusão digital seria viável ou sustentável sem a utilização de softwares livres. “Softwares proprietários são caros, não permitem modificação por parte do usuário e quase sempre conduzem a vendas casadas”, explica Felipe. No entanto, ele defende que a principal vantagem do software livre não é a econômica, mas a proposição da ideia de conhecimento como direito humano. “Software é cultura”, dispara Felipe, para quem toda a produção de softwares, a escrita de código fonte, é permeada por sensações e desejos. “O ser humano modifica o mundo, modifica o outro, e uma forma tecno-artística de empreender isso é, também, escrevendo códigos”, diz.
Brasil é referência internacional em softwares públicos
Em janeiro de 2012, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MPOG recebeu, na Espanha, o Prêmio Governo Emergente de Conhecimento Livre, promovido pela organização não-governamental Iniciativa Focus. Na ocasião, o Brasil foi representado por Cesar Brod, coordenador-geral de Inovações Tecnológicas do MPOG. Segundo ele, o país deu um salto qualitativo importante no que se refere à produção de softwares com a criação do Portal do Software Público Brasileiro, em 2007. O coordenador explica que a ideia não era apenas que o software fosse livre, mas público. “É pré-requisito que um software público seja também livre, mas ele também possui algumas garantias e valores adicionais”, explica.
O código fonte de um software público é registrado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI e depois cedido à comunidade por meio de uma série de processos formais que garantem que ele jamais poderá ser fechado.
De acordo com Brod, a principal contribuição do Portal do Software Público Brasileiro é propiciar a criação de um ecossistema para a geração de negócios, emprego e renda a partir de um bem que não tem dono e que é intangível: o conhecimento. “Esta é uma opção de fomento ao desenvolvimento tecnológico do país, à geração de negócios e à manutenção do conhecimento sempre livre e acessível a qualquer pessoa interessada”, conclui.
Brod conta que, graças à experiência brasileira com software público, surgiu a iniciativa do Portal do Software Público Internacional – SPI, um conjunto de portais similares ao portal brasileiro desenvolvido com o incentivo do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas – PNUD e do Centro Latinoamericano para a Administração do Desenvolvimento – CLAD. A primeira versão do SPI foi desenvolvida pelo Brasil, mas passará, este ano, a ser administrado pela Argentina. “A ideia é que os países membros do CLAD revezem-se na administração do portal, fomentando a colaboração e o conhecimento do conceito do software público mundialmente”, explicou o coordenador.
Bernardo Vianna / Blog Acesso