* Publicado originalmente no Blog Acesso no dia 11 de fevereiro de 2014.
Há pouco mais de 40 anos, a partir da ideia de produzir uma mostra de humor gráfico dentro do Salão de Arte Contemporânea de Piracicaba, um grupo de jornalistas, artistas e intelectuais da cidade paulista resolveu partir em direção ao Rio de Janeiro, para apresentar a proposta aos editores do O Pasquim. Do jornal carioca veio o apoio de figuras como Jaguar, Millôr Fernandes, Paulo Francis e Zélio Alves Pinto. Após idas e vindas, o primeiro Salão de Humor de Piracicaba abriu suas portas em 1974, em plena ditadura militar. Ultrapassando as expectativas iniciais, duas edições mais tarde o evento tornar-se-ia internacional, transformando a cidade de Piracicaba em referência para a produção de humor gráfico por abrigar uma das maiores e mais antigas mostras do gênero no mundo.
Desde os anos 1970, o Salão de Humor de Piracicaba modernizou-se, adaptando-se às inovações gráficas. Em seu aniversário de 40 anos, em 2013, o evento recebeu cerca de 200 mil visitantes para a que foi considerada como a maior edição de sua história. Foram selecionados 442 trabalhos de artistas de 64 países diferentes para a mostra principal, além dos participantes de outras 30 exposições paralelas. É possível consultar todo o acervo do Salão de Humor de Piracicaba na página do evento.
Entre os pioneiros que tiveram a ideia de criar no interior de São Paulo uma mostra sobre humor gráfico estava Adolpho Queiroz, pesquisador e professor de Comunicação Social e presidente do Conselho Técnico Consultivo do Salão Internacional de Humor de Piracicaba. Em entrevista ao Acesso, Queiroz contou um pouco dessa trajetória.
Acesso – Tendo completado 40 anos, que momentos da trajetória do Salão de Humor de Piracicaba você destacaria?
Adolpho Queiroz – Creio que o Salão saiu da sua juventude rebelde dos anos 70, quando entrou em cena para, com todo o país, criticar a ditadura militar. Foi um instrumento importantíssimo àquela altura, como contestação do regime. Depois disso, percorreu o período de redemocratização do país, sendo cada vez mais procurado por contribuições mundiais de grandes centros da Europa, Oriente Médio e Ásia. Por fim, o último boom do Salão ocorreu a partir da sua 38ª edição, em 2011, quando a comissão organizadora permitiu o envio dos trabalhos concorrentes através da internet. Atingimos a marca de 4.500 trabalhos enviados por 680 artistas de 63 países, o que deu à mostra um nível de qualidade até então inédito.
Acesso – O Salão, criado durante a ditadura militar, surgiu, como disse Fernando Veríssimo, sendo também “outra coisa”. Hoje ele ainda é essa “outra coisa”?
A. Q. – O Salão de Piracicaba é um espelho da sociedade brasileira, agora sob os efeitos da globalização. Os Estados Unidos estão ali na outra equina. Paris e Teerã – o Irã é o segundo país mais articulado no campo do humor gráfico, apesar da complexidade do seu regime político e de governo – mandam anualmente grandes manifestações de indignação contra as desigualdades sociais, a política, a corrupção mundial, além de outros temas como o futebol e o meio ambiente, através dos vários gêneros que o Salão acolhe, como caricaturas, cartuns, charges e histórias em quadrinhos.
Acesso – O humor gráfico sempre foi bastante próximo dos jornais impressos, veículos que vêm perdendo espaço para meios digitais. Como você avalia a relação entre humor gráfico e novas mídias digitais?
A. Q. – O humor ainda tem no cheiro da tinta de impressão um dos seus grandes estimuladores. É através de jornais impressos e revistas que ele tem uma vida mais perene, mais crítica e que traz uma perspectiva de trabalho mais interessante aos profissionais. Mesmo sabendo que o impresso perde espaço para o digital, para blogs, sites e redes sociais, ainda temos no impresso o maior parceiro. Mas o mundo virtual apresentou ao cenário novos autores, novas técnicas de produção do humor gráfico, maior conexão entre autores e públicos. E certamente pelas nuvens do universo virtual tendem a aparecer novidades e inovações, novos autores, personagens, técnicas de quadrinhos.
Acesso – E quanto ao futuro do Salão de Humor, quais os planos e expectativas?
A. Q. – O Salão de Humor de Piracicaba entrou, no dia em que completou seus 40 anos, numa fase de maior exigência e aperfeiçoamento. Corremos para a profissionalização definitiva do Salão e, com o apoio do atual prefeito e da Secretaria de Cultura, para a criação do Museu do Riso, onde o acervo do salão será apresentado virtualmente para o mundo. Estamos ainda pensando e construindo algumas bases de ação para que nos próximos três anos consigamos inaugurar esta nova fase, abrindo o Salão de Humor definitivamente para o mundo.
Bernardo Vianna / Blog Acesso