Publicado originalmente no Blog Acesso – o blog da democratização cultural em 28 de maio de 2014.
Foto: Elisabete Alves / MinC
Na teoria das Relações Internacionais, o professor Joseph Nye, da Universidade de Harvard, distingue o poder de coação, bélica ou econômica, chamado de hard power, do poder de atrair ou convencer, por meio de valores, ideias e cultura, o que ele chamou de soft power. O conceito aparece no discurso da ministra da Cultura Marta Suplicy desde os primeiros meses de sua gestão, no final de 2012, usado para argumentar que a cultura brasileira representa importante capital para a projeção do país no âmbito internacional.
Tendo em vista os diversos eventos protagonizados pelo Brasil, em especial na Europa e na América Latina, no campo da cultura, o Acesso publicou, na última quinta-feira (22), a matéria Internacionalização da cultura brasileira, (confira aqui). Dando continuidade ao debate, entrevistamos a ministra Marta Suplicy, que falou sobre o papel das políticas públicas culturais para as relações internacionais brasileiras.
Acesso – Como a ideia de soft power se aplica à cultura brasileira?
Marta Suplicy – O conceito de soft power, basicamente, é uma estratégia de influência, de posicionamento de um país na política mundial, em que ele não utiliza do hard power que é, em suma, o poder econômico e bélico. Trata-se de atuar na geopolítica por meio da projeção de uma imagem positiva para o país. Hollywood fez e ainda faz isso pelos Estados Unidos; o cinema, a moda, a gastronomia, a literatura fazem isso por França e Itália, por exemplo. A cultura brasileira, com sua riqueza e diversidade, configura um enorme capital para tornar o país conhecido mundialmente de forma muito positiva. A cultura brasileira tem tudo para nos ajudar a ser um polo ainda maior de atração dos turistas de todo o mundo, a nos tornarmos ainda mais conhecidos e influentes. O futebol, o samba, o carnaval fazem isso muito bem pelo Brasil, mas temos muitos outros que podem amplificar, ainda mais, nossa voz no mundo. É isso que buscamos.
Acesso – E quais as políticas e estratégias do Ministério da Cultura nesse sentido?
M. S. – A cultura brasileira está em alta no mundo desde o governo Lula. Boa parte disso impulsionada pela Copa do Mundo e a Olimpíada, para as quais fomos escolhidos como país-sede. O Brasil foi homenageado na Feira do Livro de Frankfurt e na Feira Internacional do Livro Infantil e Juvenil de Bolonha – ambos os eventos são os maiores do mundo em suas especialidades. Nas ocasiões das feiras, levamos escritores e ilustradores brasileiros para Bolonha. Um deles foi Roger Mello, que ganhou o prêmio Hans Christian Andersen, atribuído pelo Conselho Internacional sobre Literatura para os Jovens – IBBY a autores de literatura para a infância e juventude. Como ilustrador, este é um feito inédito entre brasileiros. Em Frankfurt, promovemos uma verdadeira invasão da cultura brasileira. Além de escritores, foram músicos, grafiteiros, dançarinos, etc. A cidade ficou impregnada de Brasil. Complementando minha visita à Itália, por ocasião da Feira de Bolonha, pudemos assinar acordos importantes no âmbito Brasil e Itália.
Acesso – Quais foram os acordos assinados e qual a importância desse intercâmbio cultural para o Brasil?
M. S. – Com a Universidade de Bolonha, assinamos uma parceria para emplacar o intercâmbio de estudantes da área cultural, nos moldes do Programa Ciências sem Fronteiras. Com a Federculture, tivemos a gratificante oportunidade de fechar uma proposta de cooperação que contemple a formação artística, a gestão de equipamentos culturais, o intercâmbio de produção de arte, a organização conjunta de festivais de cinema e mostras, além da troca de informações sobre legislação, normas fiscais, investimentos, estatísticas e economia criativa, visando o avanço no setor. O Brasil foi convidado de honra na 14ª edição do Festival Ibero-americano de Teatro de Bogotá, considerada a maior mostra de artes cênicas do mundo. Estamos em constante intercâmbio de nossa cultura com outros países. Exportamos o modelo dos Pontos de Cultura para países ibero-americanos. Só em 2013, realizamos o Ano do Brasil em Portugal e o Ano de Portugal no Brasil, que teve uma enorme repercussão. Fizemos, também, o Mês do Brasil na China e o mês da China no Brasil. Recentemente, participamos do MICSUL, o primeiro Mercado das Indústrias Criativas da América do Sul.
Acesso – A União Europeia publicou, recentemente, um relatório sobre as oportunidades de cooperação com o Brasil no âmbito da cultura. Qual a avaliação sobre esse cenário?
M. S. – O mundo, como um todo, vem mudando sua visão sobre a relevância da cultura. Na ONU, discute-se, na Agenda Pós-2015, a inserção da cultura na construção dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS. É notável e, talvez, inédita, a atual convergência nos discursos quanto à necessidade de aprofundarmos a interação entre cultura e desenvolvimento. A UNESCO, nos seus diversos foros de discussão, expõe essa visão transversal da cultura. Neste cenário, o Brasil entra com grande vantagem. Nossa diversidade e a capacidade de nossa cultura de dialogar com as diferenças, de trabalhar, ao mesmo tempo, com a tecnologia mais atual e ainda preservar a tecnologia dos povos tradicionais, índios, quilombolas, nos faz servir como alternativa para um mundo em que a lógica econômica faz a globalização tender para a uniformização dos costumes.
Acesso – Na América Latina, o modelo dos Pontos de Cultura vem sendo replicado por diversos países. Qual o papel das tecnologias sociais com relação ao que o Brasil tem a oferecer para a cooperação internacional, no âmbito da cultura?
M. S. – Nossas políticas culturais têm sido reconhecidas em várias partes do mundo como um caminho alternativo para o fortalecimento da cultura e da inclusão social. Além dos Pontos de Cultura, que você mencionou, o Vale-Cultura também tem despertado o interesse de vários países do mundo. A Bolívia deve ser o primeiro a nos seguir com essa política. Durante o MICSUL, vários países participantes solicitaram relatórios sobre o Vale-Cultura e nossa experiência de implementação, para estudar e fazer algo similar em seus países. O desejo da presidente Dilma de fazer a inclusão social dos brasileiros pela cultura tem sido visto de forma muito positiva por onde passamos.
Acesso – No que diz respeito à chamada economia criativa, que ações vêm sendo desenvolvidas?
M. S. – No ano passado, inserimos critérios para a moda se beneficiar da Lei Rouanet. Um desses critérios é para os casos de internacionalização da cultura brasileira por meio da moda. Também temos construído as Incubadoras de Economia Criativa pelo Brasil. Serão 13 em 13 capitais diferentes até o fim deste ano – R$40 milhões em investimento. As incubadoras são espaços em que artistas e empreendedores poderão se encontrar e contar com um amplo apoio para manter e ampliar suas atividades. Nelas, os agentes culturais terão acesso a cursos e consultorias, planejamento estratégico, assessoria contábil, jurídica e de comunicação, marketing, elaboração de projetos e captação de recursos, além de acompanhamento contínuo. Os espaços também sediam balcões de crédito, formalização, formação técnica e escritórios de direito e de exportação. Esta é uma enorme oportunidade para a indústria de games, artesanatos, moda, e tantas outras que o Brasil possui, se profissionalizarem e ampliarem suas atividades para o mercado externo também.
Acesso – Quais as perspectivas de crescimento da projeção da cultura brasileira e de sua indústria criativa no exterior?
M. S. – Diante de todo esse cenário e de tudo o que temos feito, digo que a cultura brasileira já está em amplo processo de expansão mundial. Isso já é uma realidade.
Bernardo Vianna / Blog Acesso
2 pensamentos em “Marta Suplicy – Diplomacia cultural”
Faltou o crédito da foto: Elisabete Alves
Obrigado, Elisabete.
Corrigido.
Abs