* Publicado originalmente em Blog Acesso – o blog da democratização cultural em 24 de janeiro de 2012.
Candomblé, umbanda, tambor de mina, batuque, nação, quimbanda, xambá, omolocô, pajelança, jurema: as religiões de matriz africana e indígena compõem, no Brasil, um cenário amplo e plural. Para melhor compreender tal cenário e conhecer a realidade das comunidades tradicionais de terreiro, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS e a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO, em parceria com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR e a Fundação Cultural Palmares – FCP, desenvolveram o projeto Mapeando o Axé. A pesquisa socioeconômica e cultural das comunidades tradicionais de terreiro foi realizada nas capitais dos Estados de Minas Gerais, Pernambuco, Pará e Rio Grande do Sul.
Segundo Eloi Ferreira de Araujo, presidente da Fundação Cultural Palmares, o governo brasileiro tem uma longa dívida com as comunidades remanescentes de terreiros. “As comunidades são a essência da matriz cultural africana e afro-brasileira. O mapeamento busca conhecer a realidade dessas comunidades, criando as condições necessárias para que as políticas públicas cheguem até elas. Além disso, garante sua preservação cultural e proteção como patrimônio imaterial”, explica.
Realizada entre maio e agosto de 2010 pela Associação Filmes de Quintal, instituição habilitada por meio de edital público, a pesquisa mapeou 4.045 terreiros em regiões metropolitanas, sendo 1.089 deles em Belém; 353 em Belo Horizonte; 1.342 em Porto Alegre; e 1.261 em Recife. Entre os objetivos, estavam descobrir quem são, onde estão localizados, quais as principais atividades comunitárias, qual a situação fundiária e demais aspectos socio-culturais e demográficos.
De acordo com Marcelo Vilarino, antropólogo da Associação Filmes de Quintal e um dos coordenadores da pesquisa, a valorização e o reconhecimento da importância histórica das comunidades negras no Brasil puderam ser observadas nas falas e nas ações das lideranças das casas religiosas. “Damos destaque para o movimento pelo fim da intolerância religiosa e pela aplicabilidade da lei que garante a liberdade de culto no país”, conta.
Vilarino enfatiza que, em regiões periféricas dos grandes centros urbanos, em geral não alcançadas pelos serviços públicos, as comunidades dos terreiros e suas lideranças exercem diversos papéis importantes, tanto como conselheiros espirituais quanto no desenvolvimento de ações de apoio à saúde, cultura e educação e de combate à violência contra a mulher. “Os terreiros são espaços privilegiados de solidariedade. As pessoas são respeitadas pela sua própria existência e por poderem ser instrumentos da ação das forças divinas na terra, no ato da incorporação espiritual. Nessas comunidades, tudo é partilhado e ninguém passa fome. O pouco que se tem é distribuído ou reaproveitado, sendo o desperdício inexistente, diante do processo dinâmico de distribuição do excedente”, conta o antropólogo.
Segundo Marcos Dal Fabbro, diretor de Promoção à Alimentação Adequada da Secretaria de Segurança Alimentar e Nutricional do MDS, o levantamento buscou difundir a importância da localização das comunidades no espaço geográfico das cidades, fazer sua contabilização e realizar um diagnóstico sociocultural focado em segurança alimentar e nutricional. “As comissões de acompanhamento da pesquisa foram formadas por lideranças das comunidades tradicionais de terreiros, representantes de órgãos governamentais locais – que possuem interlocução com os atores sociais em foco –, e de movimentos negros organizados, além de outras instituições e de pessoas como yalorixás, babalorixás, mametus, tatetus, zeladores, mães e pais de santo”.
A partir das informações coletadas, foi construído um banco de dados sobre as comunidades tradicionais de terreiro, com o objetivo de servir como referência para a formulação de políticas públicas, em especial as de promoção da segurança alimentar e nutricional. “Os terreiros podem ser vistos como facilitadores de ações de assistência social, saúde e segurança alimentar e espaços de promoção social e inclusão produtiva. A sintonia com as necessidades locais faz com que sejam potenciais espaços para a identificação de demandas para formações e capacitações voltadas à comunidade”, conta Dal Fabro. Para ele, a sustentabilidade cultural e a segurança alimentar estão relacionadas à promoção da autonomia dos terreiros quanto à produção de alimentos adequados e saudáveis, por meio de atividades como hortas comunitárias, quintais produtivos e agricultura urbana. “Os terreiros também são locais de saberes tradicionais femininos, que junto à diversidade étnica e religiosa, precisam ser respeitados e trabalhados do ponto de vista de políticas culturais e educacionais”, enfatiza o diretor de Promoção à Alimentação Adequada da Secretaria de Segurança Alimentar e Nutricional do MDS.
Preservação da matriz cultural africana
Sobre a contribuição do mapeamento das comunidades tradicionais de terreiro para a preservação do patrimônio cultural brasileiro, conversamos com o professor da Escola de Comunicação – ECO da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Muniz Sodré. Segundo ele, o mapeamento é importante para avaliar a força, a presença geográfica e o lugar social que os terreiros ocupam nas cidades brasileiras.
De acordo com Sodré, as comunidades de terreiro não são movimentos exclusivamente religiosos, mas se apresentam historicamente como organizações políticas capazes de preservar a identidade cultural de matriz africana: “a identificação com a cultura africana sempre esteve ligada aos terreiros”, resume.
O pesquisador também ressaltou a importância do mapeamento dos terreiros para a proteção jurídica territorial, possibilitando a regulamentação fundiária das comunidades tradicionais. Da mesma forma, a legitimação das comunidades de terreiro junto ao Estado é também importante para proteger sua cultura do assédio de outras religiões de cunho fundamentalista e discriminatório. Sodré ressaltou ainda a modernidade das religiões de matriz africana em relação ao respeito que prestam às demais religiões, um “respeito fortalecedor da convivência religiosa”. Para ele, é sadio para a democracia e para a cultura brasileira que os terreiros estejam sob a proteção do Estado.
Bernardo Vianna / Blog Acesso
4 pensamentos em “Mapeamento das comunidades de terreiro pode definir políticas públicas”
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Coisa boa. RT @Decio_Coutinho Mapeando o Axé: http://t.co/o2PkxudK e http://t.co/yhknTCQ6
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Os dados do “Mapeando o Axé” foram retirados da página do MDS. Teria outro sítio que eu poderia acessá-los?