* Publicado originalmente no Blog Acesso no dia 16 de outubro de 2015.
Embora seu espaço nos veículos de comunicação tradicionais venha diminuindo, a crítica de arte persiste em outros meios e é ainda importante elemento do processo de articulação de ideias e produção de sentido na arte contemporânea. Para melhor compreender o papel da crítica e para entender como é formado o crítico de arte, o Blog Acesso entrevistou Fernando Amed, coordenador da pós-graduação em História da Arte: Teoria e Crítica do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo e professor de História da Arte no Museu da Imagem e do Som – MIS de São Paulo. Confira a seguir.
Blog Acesso – Qual o papel do crítico de arte na contemporaneidade e da crítica enquanto articulação de pensamento e produção de sentido?
Fernando Amed – Na contemporaneidade, a produção artístico-visual, a crítica e a recepção andam juntas na articulação do pensamento e na produção de sentidos. Digo sentidos no plural, pois são muitas as possibilidades de elaboração de significados e valores na arte contemporânea. A crítica ainda conta com certa legitimidade, o que é uma permanência de seus primeiros instantes ainda no século XVIII. Assim, a recepção às elaborações artísticas ainda se abastece daquilo que a crítica aponta e, por vezes, essas intermediações são levadas em consideração na estruturação de um pensamento acerca da obra propriamente dita. No entanto, dada a volatilidade das mídias conectadas, a crítica hoje concorre com a opinião mais pessoal e individual dos blogs, por exemplo, que se destacam pelo número de acessos. Além disso, a crítica nos jornais ou revistas mais tradicionais é limitada pelo espaço disponível nesses meios e se mobiliza mais pela necessidade de frases curtas ou sintéticas que venham a aderir à exposição ou ao trabalho propriamente dito do artista. A crítica nos moldes mais profundos ainda persiste, mas somente pode ser encontrada em obras que são publicadas em ensaios, por exemplo. Nesse caso, nota-se a chegada de um público mais específico, aquele ligado, por exemplo, aos estudos de pós-graduação nas universidades. Finalmente, se a crítica ainda cria expectativas na contemporaneidade, ela também concorre com a fala do próprio artista, seja através de entrevistas ou de elaborações textuais em que se pretende matizar um ou outro aspecto relativo à poética esposada. Acredito que nenhuma dessas partes que remetem à apreciação da arte pode ser suprimida.
Blog Acesso – De que modo o crítico de arte é formado? Temos, atualmente, no Brasil, oferta de opções de formação para quem deseja atuar nessa área?
Fernando Amed – Temos, no Brasil, alguns poucos cursos de pós-graduação voltados especificamente à formação de um crítico de arte. No entanto, a formação de um crítico de arte não é algo assim que possa vir a ser demarcado de modo a garantir ao egresso o domínio desse repertório. Muitos aspectos devem ser levados em consideração. O reconhecimento das diversas linguagens artístico-visuais (gravura, pintura, tridimensional, performance, fotografia, etc), o domínio da história da arte, das teorias da arte (o campo da estética), o conhecimento mais abrangente da história da própria crítica, da literatura, etc. Enfim, essas matizes são contempladas num bom curso de Artes Visuais, sendo que caberá ao aluno aprofundar-se na direção de sua formação como crítico, dirigindo, então, o seu encaminhamento de estudos para esse foco. É preciso salientar, contudo, que mesmo que o sistema das artes seja uma realidade em nosso país – notamos a existência de museus, exposições, publicações e universidades – o campo ainda parece restrito em comparação com outros locais do mundo. Enfim, como qualquer outra escolha profissional, o jovem estudante deve se destacar pelo afinco e pelo aprofundamento disciplinado num campo que ainda se apresenta como próximo da erudição, típica do século XIX. Assim, além de conhecer o passado das artes, o jovem profissional deve visitar com constância as exposições de arte, adentrar e se familiarizar com um vocabulário específico e procurar sempre manter uma disposição cética, isto é, sustentar a dúvida como forma de estímulo ao conhecimento e se afastar das crenças e dogmatismos infelizmente presentes no campo de estudo mais amplo que é das humanidades.
Blog Acesso – E quais as dimensões do campo de atuação profissional do crítico de arte?
Fernando Amed – Como apontei nas respostas anteriores, a crítica de arte é aguardada e ansiada na busca por intermediações e produção de sentidos em relação à arte contemporânea. Desde a década de 1980 do século passado, a arte se configurou num espaço que, mesmo que ainda se mantenha como atraente e instigante para um número sempre expressivo de pessoas – haja vista a presença nas exposições nos vários museus das grandes cidades –, parece necessitar de comentários, narrativas, inquéritos e diálogos. E a crítica supre, em parte, essa necessidade. Há que se observar e enfatizar que a crítica bem elaborada estabelece pontos de acesso e de reflexão para com a respectiva produção visual e, num universo ainda carente de repertório, tais demarcações se estabelecem como significativas para o exame poético por parte de uma recepção mais ampla.
Blog Acesso – O encerramento de publicações e de suplementos culturais tradicionais teve impacto sobre esse espaço?
Fernando Amed – O encerramento de publicações e suplementos culturais na grande mídia é sim um aspecto a se lamentar. No entanto, a mídia mundial vem passando por um processo perceptível que é o de convívio e acolhimento das plataformas digitais. O estudante e o interessado nas artes, especialmente quando jovem, tem à sua disposição um grande número de publicações que estão pela internet. O que se faz necessário, contudo, é o estabelecimento de um critério. Uma boa graduação em Artes Visuais pode vir a suprir essa necessidade imperiosa que é a de se escolher o que vale a pena ser consultado e lido, o que deve se ver com ressalvas e o que poderá ser descartado. Melhor ainda se o interessado ler em outras línguas que não somente o português. Essa é uma das vantagens propiciadas pelas mídias digitais.
Blog Acesso – De modo geral, como se dá a relação entre crítico, artistas e instituições? O crítico pode trabalhar como parceiro do artista para o desenvolvimento do trabalho deste último?
Fernando Amed – O mundo das artes, como todo campo específico de produção, tem alguns limites e contornos bem demarcados. Assim, é natural que, mesmo ao longo da história, críticos, artistas, marchands, galeristas, curadores e o público aficionado se encontrem e, por vezes até, privem da intimidade dos ateliês. O filme norte-americano Pollock, de 2001, dirigido e estrelado por Ed Harris e Marcia Gay Harden, nos apresenta, por exemplo, uma proximidade entre o grande crítico de arte Clement Greemberg (1909-1994) e o pintor do expressionismo abstrato, o também norte americano, Jackson Pollock (1912-1945). Com isso quero dizer que nada impede uma relação de proximidade entre essas partes, o crítico, o artista e as instituições. Colecionadores de obras de arte, por exemplo, também se configuram como pessoas que podem privar do contato com os ateliês, indicados ou não pela crítica. Para algumas pessoas, o momento da abertura de uma mostra ou exposição é somente uma parte, significativa, é claro, da produção artística e poética. Os amantes da arte se atraem pelo aroma das tintas e pelo contato com a matéria e isso somente se dá no interior dos ateliês. Lembro também que no período do impressionismo nos anos finais do século XIX, a sociabilidade de artistas,marchands, colecionadores de arte e críticos se dava grandemente no interior dos cafés parisienses, sendo esse um espaço de troca de informações, de diálogo privilegiado e da demarcação de novas descobertas. Algumas telas do pintor francês Pierre-Auguste Renoir (1841-1919) dispõe essa relação de proximidade e de troca de experiências. A obra de arte, uma vez assinada, demarca uma individualidade. Mas o artista se vale de muitos meios através dos quais ele alimenta a sua veia poética e criadora, sendo esses, muitas vezes, o contato com o público e com a crítica especializada.
Bernardo Vianna / Blog Acesso