Publicado originalmente no Blog Acesso – o blog da democratização cultural em 2 de outubro de 2012.
O Ano do Brasil em Portugal teve início no dia 7 de setembro, Dia da Independência do Brasil, e segue até o dia 10 de junho do próximo ano, quando é comemorado o Dia Nacional de Portugal. O intercâmbio cultural entre os dois países segue a vertente de eventos como o Ano do Brasil na França, entre 2005 e 2006, o Momento Itália-Brasil, entre 2011 e 2012, e o ano Alemanha + Brasil 2013-2014, que terá início em maio de 2013.
Para o comissário-geral do Ano do Brasil em Portugal e presidente da Funarte, Antônio Grassi, tais eventos representam o reconhecimento da atual inserção brasileira no cenário internacional. “Este ano, a diferença em relação aos anteriores é a língua. É muito importante que a gente consiga trabalhar as ações do Brasil em Portugal nesse sentido e do ponto de vista da cultura como ferramenta para chegarmos a outras parcerias, como em ciência e tecnologia”, disse.
Para Grassi, o intercâmbio da cultura brasileira em Portugal é uma importante porta não só para a Europa como para o próprio mercado português. “Portugal tem sido um mercado muito fértil para a produção artística brasileira. A cultura brasileira já está muito presente em Portugal, as telenovelas já estão lá há muito tempo e, por a língua não ser um empecilho, é uma oportunidade também para o teatro e a literatura. Na maioria das vezes, os autores brasileiros são menos conhecidos em Portugal do que os autores portugueses no Brasil”, observou.
Muito da produção cultural contemporânea brasileira ainda é bastante desconhecida em Portugal, e o inverso também é verdade. Tela Leão, produtora cultural nascida no Brasil, que há 21 anos vive em Portugal, conta como anúncios de apresentações de grupos brasileiros são recebidos com admiração e certa surpresa. “Às vezes, vemos anunciado um grupo de dança brasileiro com uma exclamação de admiração: como é que se produz dança contemporânea no sertão do Brasil… Mas o inverso é, com certeza, igualmente surpreendente. Lembro de levar comigo para exibir no Brasil vídeos de criações de dança contemporânea portuguesa e de ter ouvido as mesmas exclamações de surpresa. Desconhecemos mutuamente as nossas produções culturais contemporâneas”, disse.
A Cultura em meio à crise
O setor cultural português foi duramente atingido pela crise econômica que o país atravessa. Com o Ministério da Cultura extinto, passou a existir apenas uma Secretaria de Estado sem poder decisório para tratar das políticas públicas portuguesas para a cultura. “Neste momento, não existe qualquer política de incentivo à cultura em Portugal. Os poucos financiamentos públicos que aparecem, ou têm verbas insignificantes ou vão sendo adiados pelo Ministério das Finanças”, disse Tiago Mota Saraiva, arquiteto do ateliermob, uma plataforma multidisciplinar de desenvolvimento nas áreas de arquitetura, design e urbanismo, sediada em Lisboa. A produtora cultural luso-brasileira, Tela Leão, concorda com o arquiteto português: “Não se pode dizer que exista uma política cultural. Aliás, em termos de política de médio e longo curso, em Portugal, neste momento, pouco se vê, ou nada. Em todas as áreas apenas existe a preocupação de efetuar cortes orçamentais. Nada mais parece importar. E a política, se é que se pode chamar assim, é ver quem vai sobreviver e, a esse conjunto de sobreviventes, intitular a cultura do país. Há muito pouca esperança”.
Leão conta que os agentes culturais portugueses enfrentam problemas muito graves com a falta de subsídios e apoios públicos. “De simples ajustes de orçamento, com possível diminuição da programação para não afetar o nível de qualidade da oferta – que é o que declara a Fundação Serralves, quando se depara com um corte de 30% no subsídio anual que recebe do erário público –, até a morte total das estruturas de pequeno porte, de jovens artistas que sobreviviam de subsídios anuais da Direção Geral das Artes – que foram cortados na íntegra durante o ano de 2012 – ou de subsídios ou apoios das câmaras municipais, que também, na sua grande maioria, diminuíram radicalmente ou cortaram totalmente seus apoios. Em muitos casos, a situação é de quase indigência”, disse a produtora.
Ao corte dos subsídios públicos, soma-se a diminuição do investimento privado, modalidade pouco explorada em Portugal. Segundo Jorge Cerveira Pinto, diretor-geral da Agência INOVA e coordenador do Programa Criatividade Portugal, o país jamais teve uma verdadeira tradição de investimento privado em cultura. “Claro que sabemos que, em momentos em que o rendimento disponível das empresas, das famílias e dos indivíduos diminui, isto repercute da mesma forma nos valores de patrocínio e mecenato cultural. Por isso, neste momentos, o financiamento público é tão importante. Só que, agora, tudo desapareceu ou reduziu”, afirmou.
Fora tentativas inócuas de autofinanciamento, uma das atuais saídas para os profissionais da cultura, segundo Leão, tem sido tentar vender cursos e workshops nas áreas artísticas, técnicas ou de gestão. “Aproveitar o tempo de baixa capacidade de produção para refletir e ganhar experiência, mas também, e parece-me que principalmente, tentar fazer render nossa capacidade de sobrevivência, tentando vender novos e não testados mas muito esperançosos conceitos, que vamos aprendendo através de nossos pares, via internet, ou mesmo via cursos no exterior, para os mais afortunados”, contou.
As indústrias cultural e criativa
A crise tem afetado de forma diferente os diversos subsetores das indústrias criativas e culturais portuguesas. Segundo Jorge Cerveira Pinto, os setores mais tradicionais e mais fortemente dependentes do financiamento público – tais como patrimônio, museus, artes plásticas e visuais e artes performativas – estão “apenas a gerir o dia-a-dia”. A incerteza econômica e as dificuldades em assumir compromissos financeiros futuros, de acordo com Cerveira Pinto, impedem o envolvimento em projetos de média/grande dimensão e de médio/ longo prazo. “Apesar do impacto da crise econômica ser generalizado, quando falamos das indústrias culturais e criativas, aqui existem fenômenos diversos, com subsetores fortemente penalizados – por exemplo, a edição, a publicidade e a arquitetura – e outros que até o momento não foram muito afetados – caso do software, do design de produto, do turismo cultural e criativo ou mesmo do cinema e vídeo”, disse.
Para Cerveira Pinto, a diferença se nota entre os setores dependentes do mercado interno e aqueles que já estavam desenvolvendo estratégias de internacionalização, com presença em mercados que estão em contra-ciclo ao português. “Claro que, num setor tão frágil, será preciso muitos anos para recuperar o retrocesso a que estamos a assistir, acompanhado por uma saída de recursos humanos qualificados que dificilmente regressarão ao país”, afirmou.
Segundo o especialista, a economia cultural e criativa, em Portugal, cruza, por mecanismos de cooperação interministerial, as áreas da economia, da cultura, do emprego e, em alguns casos, dos negócios estrangeiros. “Por outro lado, as regiões através das suas políticas de desenvolvimento abordam este assunto de diversas formas. A região Norte apostou fortemente nesta questão e financiou a formalização e implementação de um cluster de indústrias criativas. Lisboa possui uma agenda para a criatividade. Coimbra possui um programa de desenvolvimento das indústrias criativas. E existe mesmo um programa nacional denominado Criatividade Portugal, no qual as diversas entidades se encontram”, explicou o especialista. Em Portugal, foi implementada uma abordagem descentralizada, em um movimento a partir dos agentes culturais para os agentes da administração pública local, regional e nacional. “É, por isso, um processo um pouco mais caótico, às vezes confuso e mais lento, mas com a enorme vantagem de ser muito orgânico, muito próximo dos agentes culturais e ser informado por estes e outros agentes interessados. Por isso, de forma simples, podemos dizer que o Estado português, para além da retórica política, pouco fez até o momento. Mas penso que a crise também tem o seu lado positivo: veio mostrar que este setor pode ajudar na recuperação e que precisa de muito pouco para produzir resultados”, afirmou.
Bernardo Vianna / Blog Acesso
Foto: Gigantes pela própria natureza / Divulgação