* Publicado originalmente no Blog Acesso no dia 6 de agosto de 2015.
Engana-se quem pensa que, na atualidade, as publicações independentes restringem-se aos meios digitais. O impresso, editado e publicado de forma autônoma, passa por um momento de ebulição e grande vitalidade, contando com eventos como a Feira Plana, realizada anualmente no Museu da Imagem e do Som de São Paulo, e o Panorama Internacional de Zines e Publicações Independentes, no Centro Cultural São Paulo – CCSP.
“É um ótimo momento. Todo o mundo percebeu, por meio das feiras, que pode se auto-publicar, que não precisa de ninguém para isso. Os zines mudaram um pouco de objetivo, são um mercado, mas um mercado próprio, em que a cadeia se inicia e termina no próprio artista. Acho que essa independência e autonomia são muito sedutoras”, avalia Bia Bittencourt, idealizadora da Feira Plana.
Daniela e Douglas Utescher, da Ugra Press, editora e produtora responsável pelo Ugra Zine Fest, que deu origem ao Panorama Internacional de Zines e Publicações Independentes, confirmam a interpretação de que é um momento interessante para as publicações independentes, com antigos editores retomando suas atividades e uma nova geração dando seus primeiros passos. “Em 2010, quando começamos a trabalhar no primeiro Anuário de Fanzines, Zines e Publicações Alternativas, muita gente acreditava que os zines estavam mortos, que haviam sido engolidos pela internet. Ainda assim, abrimos a convocatória e recebemos mais de 120 publicações nacionais. É um número pequeno se comparado à quantidade de zines que circulavam até o final dos anos 1990, mas expressivo o suficiente para indicar que a cena não estava, de fato, morta”, conta Daniela.
Desde 2010, segundo o casal à frente da Ugra Press, a produção de publicações independentes vem crescendo. “Aos modelos de zines tradicionais somaram-se novas possibilidades de temas, formatos, acabamento e impressão. A relação entre o zine impresso e a internet ficou mais tranquila e os editores criaram meios para que uma coisa se beneficie da outra. Houve também um certo boom de eventos especializados. Esses eventos foram aos poucos se espalhando pelo país e ganhando características próprias. Não é uma cena melhor ou pior do que a cena que havia nos anos 1980 e 1990. É uma cena diferente”, analisa Douglas.
Eventos em expansão
As transformações que a Feira Plana atravessou ao longo dos últimos meses indicam a energia da cena de publicações independentes. A feira anual multiplicou-se, dando origem a uma residência artística para editores independentes, a uma biblioteca aberta ao público e à exposição mensal Altiplana. “A proposta é, através dessas frentes todas, mapear, fomentar e distribuir as publicações de artista pelo Brasil”, explica Bia.
A ideia de organizar uma residência para editores independentes, segundo a idealizadora da Feira Plana, surgiu a partir de conversas com a editora Florencia Ferrari, da Cosac Naify. “Depois juntamos os caquinhos numa reunião com a designer Elaine Ramos e o artista – e minha dupla na Feira Plana – Carlos Issa. Foi uma construção conjunta e a Cosac Naify é nossa parceira nesse projeto. Quanto à nossa expectativa, estou muito ansiosa para receber projetos que nos assustem, que se destaquem, que nos deem vontade de vê-los impressos no dia seguinte”, conta.
Já o Panorama Internacional de Zines e Publicações Independentes é fruto do Ugra Zine Fest, criado em 2011, como evento de lançamento do Anuário de Fanzines, Zines e Publicações Alternativas. “A ideia era simplesmente chamar as bandas de alguns amigos e vender o Anuário, da mesma forma como eram feitos muitos lançamentos de zines nos anos 1990. Mas, quando começamos a organizar a festa, surgiram ideias para outras atividades e a coisa tomou outro rumo. O evento cresceu e ganhou vida própria”, diz Douglas.
Após duas edições realizadas com recursos próprios, o Ugra Zine Fest tornou-se, em 2013, parceiro do CCSP, o que possibilitou a ampliação do evento. Nos últimos três anos, a feira foi indicada ao Troféu HQ Mix, na categoria Melhor Evento. “Apesar das mudanças, a proposta é a mesma desde o início: criar um espaço de fomento, confraternização e reflexão sobre cultura independente”, acrescenta Daniela.
De volta às novas tecnologias
Se, por um momento, pareceu que as novas tecnologias haviam empurrado para a margem a criação e a circulação de impressos independentes, o que se observa, atualmente, é justamente o contrário. Até o final dos anos 1990, praticamente toda a movimentação de zines brasileiros, segundo os editores da Ugra Press, se dava por meio dos correios, desde a divulgação por malas diretas, passando pela troca de cartas entre editores e leitores, até o envio das próprias publicações.
A prática ainda resiste, mas conta com ajuda da divulgação via internet. “Alguns editores mais old school ainda preferem fazer as coisas via correio. Mas, em grande parte, a divulgação e o contato entre editor e leitor acontecem, hoje, via internet e o correio só é utilizado para enviar ou receber a publicação. Existem alguns editores também, especialmente dentre os mais novos, que só vendem seu material em feiras. Além disso, surgiram algumas distribuidoras e lojas especializadas, como a própria Ugra Press, que facilitam o acesso a esse material”, explica Daniela.
“Como para todas as outras coisas, as ferramentas digitais trouxeram velocidade para o mundo dos zines”, afirma Douglas. “Surgiram também novas formas de divulgar – através de blogs e redes sociais – e de distribuir – através de lojas virtuais – esse material. Alguns zines também circulam tanto na versão impressa quanto na digital, por meio de plataformas como o Issuu. Além disso, projetos mais caros podem, hoje, ser viabilizados através de sites de financiamento coletivo, como o Catarse”.
Entre as mudanças que as novas tecnologias trouxeram para a produção e a divulgação de zines e edições independentes, a organizadora da Feira Plana destaca os avanços nas tecnologias de impressão e as inovações no setor de gráficas. “A maior transformação, para mim, está relacionada com as máquinas de impressão e gráficas que se especializaram na produção de pequenas tiragens, de livros com detalhes escolhidos a dedo, e na subversão das técnicas. Esse é o caso da Pingado-Prés, da Meli-Melo Press e de outras gráficas, que, além de editarem e imprimirem as publicações, atuam como um canal de distribuição para os artistas”, afirma Bia.
Bernardo Vianna / Blog Acesso