* Publicado originalmente no Blog Educação em 1º de setembro de 2014. A apuração subsidiou o programa Conexão Futura, do Canal Futura, exibido na mesma data e disponível neste link.
“Os principais desafios envolvem a falta de recursos, não só financeiros como pedagógicos”, explica Delsuita Alves Machado, diretora da Escola Municipal Nair de Melo Franco. Frequentada por 100 alunos, do 1º ao 9º ano do ensino fundamental, a escola fica na Comunidade do Vazamor, distrito do município de Vazante, em Minas Gerais. “Mesmo assim, a gente tenta fazer um bom trabalho”, completa, otimista, a educadora.
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, os sistemas de ensino devem ser adequados às peculiaridades da vida rural, assegurando organização escolar própria e calendário, conteúdos e metodologias adaptados aos interesses da população do campo. O Plano Nacional de Educação – PNE reafirma essas diretrizes incluindo, entre suas estratégias, o estímulo à oferta de vagas nas próprias comunidades dos alunos e o desenvolvimento de tecnologias pedagógicas, que combinem o tempo na escola e o tempo no ambiente comunitário.
São também abordadas, no PNE, a distribuição das escolas no território e a garantia do transporte, cabendo aos sistemas educacionais reduzir o tempo dos deslocamentos, estratégia que tem o objetivo de reduzir a evasão causada pela dificuldade de acesso à escola. “A distância é um problema, mas os meninos não deixam de vir às aulas, pois temos um transporte escolar que traz as crianças até a escola”, afirma Machado sobre a escola da Comunidade do Vazamor.
De acordo com a educadora, a participação dos pais e da comunidade local é também um importante fator. Além disso, na escola são desenvolvidas atividades do programa Parceria Votorantim pela Educação – PVE, do Instituto Votorantim, que promove ações de mobilização da comunidade escolar e de apoio à gestão da educação pública municipal. “As atividades do PVE são excelentes. Eles são parceiros no recreio dirigido, em atividades de promoção da leitura e nos projetos que a gente desenvolve na escola”, diz a diretora. “E, no final do ano, concretizamos as atividades com uma confraternização, que tem a participação dos pais, da comunidade e dos mobilizadores do PVE”, conta.
Para Andréia Dalcin, coordenadora do curso de Licenciatura em Educação do Campo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, o que é colocado pelo PNE em relação à educação em áreas rurais representa um avanço. “O planejamento no campo da educação é algo essencial e que precisa ser olhado com atenção por todos. Outro aspecto importante é que existe um canal aberto para o diálogo entre diferentes setores da sociedade, movimentos sociais, governos e universidades. Isso é um sinal de que a educação do campo está sendo debatida”, avalia.
A especialista destaca ainda a questão da formação e da valorização do professor como algo urgente e que demanda ações mais enérgicas. “Os cursos de licenciatura estão se esvaziando e isso é um problema muito grave. Sem professores bem preparados, sensíveis às diferenças, criativos e entusiasmados, não se efetiva qualquer política pública nem no campo nem em lugar algum”.
Além de uma formação de docentes sensibilizados para a realidade das comunidades rurais – ou das escolas que, na zona urbana, recebem alunos do campo –, Dalcin chama a atenção para a necessidade de a escola adequar seu calendário em regiões em que exista a predominância de uma determinada produção agrícola que, durante a colheita, altere a rotina das famílias. “Nesse sentido, a Pedagogia da Alternância vem se mostrando a mais adequada, pois ao mesmo tempo em que alterna o tempo escolar, também aproxima escola e comunidade”. Criada na França, em 1935, a metodologia intercala períodos em salas de aula e períodos no campo, modelo pensado para diminuir o tempo gasto em longos deslocamentos até a escola.
Outro desafio diz respeito ao número reduzido de alunos que em geral há em cada escola. Nesses casos, as turmas são multisseriadas, constituídas por idade, e não por série. “O que gera a necessidade de um currículo ainda mais flexível e direcionado para o contexto de cada escola”, observa Dalcin. A especialista destaca, ainda, a necessidade da reabertura de escolas rurais, a efetiva articulação entre secretarias municipais e estaduais de educação, e o diálogo constante entre escolas, universidades, movimentos sociais e governos locais e federal.
Mobilização comunitária e contextualização do conteúdo
Em 1990, os lotes do assentamento Bela Vista do Chibarro, em Araraquara, interior de São Paulo, foram entregues a 170 famílias pelo Instituto Nacional de Colonização de Reforma Agrária – Incra. Resultado da mobilização da comunidade para a melhoria da educação, a escola do assentamento foi municipalizada em 2002, abrindo espaço para um Projeto Político-Pedagógico (PPP) diferenciado, que respeitasse e valorizasse a identidade dos agricultores assentados.
A professora Adriana Caravieri, diretora da EMEF do Campo Professor Hermínio Pagotto, é uma das protagonistas dessa história. “Nossa caminhada começou há alguns anos. Já havia esse sonho de contribuir para melhorar a qualidade da educação oferecida aqui na escola do assentamento”, lembra. Após a municipalização, o atendimento, antes do 1º ao 4º ano, foi ampliado até o 9º ano, permitindo que as crianças que frequentavam escolas na zona urbana pudessem voltar a estudar perto de suas casas.
“O ponto de partida é a contextualização do conteúdo em relação à realidade do aluno do assentamento. E há a articulação com outras políticas do município como saúde, cultura, esporte e lazer”, explica Caravieri. “Então, temos esse programa que valoriza a cultura, a identidade e o trabalho do povo agricultor, que, mais tarde, acabou se consolidando como política pública do município. A proposta de educação é toda voltada para a humanização e a solidariedade”, conta.
Tendo aderido ao Mais Educação, o atendimento educacional na Hermínio Pagotto é em tempo integral. Com isso, as crianças participam de atividades relacionadas ao cineclube, canto coral, educação ambiental, agroecologia, história e memória da comunidade, práticas esportivas, tecnologia da informação e comunicação e dispõem de acompanhamento pedagógico e atendimento especializado para crianças com necessidades educacionais especiais.
Os resultados alcançados pela mobilização pela educação podem ser constatados, em parte, pela trajetória de ex-alunos, hoje formados em cursos superiores, um deles já doutorando e outro medalhista da Olimpíada Brasileira de Matemática. Além disso, a escola recebeu, em 2004, o Prêmio Gestão Pública e Cidadania da Fundação Getúlio Vargas e, em 2008, foi selecionada para um projeto de diagnóstico e proposição de melhorias pela comunidade, financiado pelo Instituto Embraer.
Campo conectado
Funcionando em período integral, a Escola Municipal Zeferino Lopes de Castro, no município de Viamão, na Região Metropolitana de Porto Alegre, se destaca pelo uso da tecnologia da informação em sala de aula. Por meio do programa Escolas Rurais Conectadas, da Fundação Telefônica, a escola dispõe de um notebook para cada aluno e conexão com a internet via fibra ótica.
Segundo a professora Daniela Fávero, coordenadora do projeto, os alunos frequentam a escola em período integral, dividido em três momentos: aulas em que aprendem os conteúdos curriculares; projetos de aprendizagem voltados aos interesses dos alunos, em que o tema é definido por eles; e oficinas em que desenvolvem habilidades de apoio às aulas e aos projetos. “Em todos os momentos, a gente dá abertura para o uso da tecnologia, desde a aula até os projetos”, explica a professora.
A comunicação e a autonomia dos alunos são, de acordo com a professora, os aspectos mais beneficiados. “Eles são alunos que já vinham para a escola com gosto de estudar, mas, agora, estão se sentindo mais seguros, mais empoderados. Eles estão se sentindo agentes do próprio conhecimento”, diz Fávero sobre os resultados observados após o primeiro ano de implementação do programa.
A tecnologia digital é utilizada para trabalhar assuntos relacionados à vivência dos alunos, mas, segundo a professora, as aulas também buscam apresentar outras realidades. “A gente tem trabalhado bastante a questão da tecnologia na lida do campo, tentamos fazer esse paralelo e, ao mesmo tempo, extrapolar para eles não ficarem presos apenas ao mundo rural, para terem a opção de conhecer o que não é daqui, optar se querem continuar ou sair e, independentemente dessa escolha, que eles possam ser o melhor que puderem, tanto aqui como fora”, diz a professora.
Bernardo Vianna/ Blog Educação
Imagem: Painel Paulo Freire. CEFORTEPE – Centro de Formação, Tecnologia e Pesquisa Educacional Prof. “Milton de Almeida Santos”, SME-Campinas. Fonte: Wikimedia.