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Congresso debate redução da maioridade penal

Publicado originalmente em VIA blog – Direitos da Criança e do Adolescentes em 30 de janeiro de 2013.

Tramitam no Senado diferentes Propostas de Emenda Constitucional – PEC com objetivo comum, a redução da idade a partir da qual um adolescente pode ser penalmente responsabilizado. Em seu artigo 228, a Constituição Federal prevê a inimputabilidade até os 18 anos, idade até a qual o jovem estará sujeito às medidas socioeducativas específicas previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.

O senador Aloysio Nunes Ferreira, autor da PEC 33, se baseia em casos de jovens com menos de 18 anos, que cometeram crimes violentos e reincidiram em atos infracionais, para justificar a proposta de permitir que os adolescentes de 16 e 17 anos sejam julgados como adultos. “A sociedade se transforma continuamente. Os adolescentes de hoje têm muito mais acesso a informações que aqueles que viveram em meados do século passado. É fato, inclusive, que quadrilhas se valem de menores para praticarem, ou mesmo assumirem, crimes de toda espécie confiando na inimputabilidade”, argumentou.

A PEC 33 altera a redação dos artigos 129 e 228 da Constituição Federal de modo a permitir que o Ministério Público possa requerer ao juiz que desconsidere a inimputabilidade dos adolescentes. “Além da autorização judicial, considera-se o histórico do infrator, inclusive a reincidência, laudo técnico de profissionais habilitados, ampla defesa e o direito ao contraditório, e somente se aplica nos casos de crimes inafiançáveis, tráfico de drogas, terrorismo e crimes hediondos”, explicou o senador. Ferreira ressaltou, ainda, que a proposta prevê lei complementar que irá estabelecer os parâmetros da nova legislação. “Aprovada a PEC, o Congresso e a sociedade terão a oportunidade de discutir os termos dessa nova lei, conciliando a proteção às crianças e adolescentes como seres em formação, distinguindo-os daqueles que se valem dessa proteção para conscientemente continuarem a praticar crimes graves impunemente”, completou.

Na avaliação de Cleomar Manhas, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos – Inesc, dentre as propostas que tramitam no Senado, a PEC 33 é a mais perigosa. “Pois não é clara em seus objetivos, ao não tratar diretamente da redução da idade penal, mas remeter à lei complementar, lista de casos em que o agente público poderá julgar, de acordo com seus valores, o que chamam de ‘caráter criminoso da conduta do adolescente, levando em conta o histórico familiar, social, cultural e econômico’, ou seja, é totalmente discricionário e dependerá da visão de mundo desse agente”, justificou.

Segundo Manhas, a adolescência é uma fase de desenvolvimento de responsabilidade não apenas do jovem, mas da sociedade como um todo. “Especialmente da família, da escola e do Estado, que deve oferecer condições para o pleno desenvolvimento de suas crianças e adolescentes, com políticas públicas que possibilitem a aquisição da cidadania de forma integrada, acolhedora, que realize direitos de fato. Contudo, ao invés de se debater a ausência de políticas para crianças, adolescentes e jovens, discute-se a necessidade de criminalizá-los. Precisamos amadurecer muito a democracia para, quem sabe, pensarmos primeiro em promoção, proteção e defesa e não em punição”, disse.

“Nós não podemos trabalhar com a perspectiva de reduzir direitos”, afirmou Heloisa Oliveira, administradora executiva da Fundação Abrinq – Save the Children. A organização é uma das que irão reunir-se, no final de fevereiro, para buscar uma articulação entre entidades que trabalham a questão da infância e da adolescência para debater a agenda legislativa sobre o tema para o ano de 2013.

Para Oliveira, os casos excepcionais apontados como argumento para a aprovação da redução da maioridade penal não justificam uma medida dessa natureza. “Isso não vai resolver o problema da violência. O nosso entendimento é que é preciso investir fortemente na implementação do Sinase, o sistema socioeducativo. Como está hoje, de acordo com estudos feitos pelo próprio CNJ [Conselho Nacional de Justiça], ele não recupera os adolescentes. É um sistema com sérios problemas e é preciso que se invista em sua implementação, que está fazendo um ano, mas que, infelizmente, ainda não apresentou muitos avanços”, afirmou.

De acordo com a gerente executiva de Programas e Projetos e representante suplente da Fundação Abrinq no Conanda, Denise Cesário, a principal faixa de incidência criminal está entre 19 e 25 anos, idade em que as medidas socioeducativas não são mais aplicadas e em que o jovem já se enquadra no sistema penal. Quanto aos casos extremos citados como justificativa para a PEC 33, de acordo com a especialista, tratam-se de exceções. “Olhando para as estatísticas, os atos graves são, nesse contexto, pouco significativos em termos de representatividade e de volume”, disse.

Para Cesário, a sociedade precisa compreender que imputabilidade não significa não haver consequências para o adolescente que comete ato infracional. “Muito pelo contrário, o ECA prevê seis medidas socioeducativas de acordo com o ato cometido por esse adolescente”, explicou. O pouco conhecimento da sociedade sobre o sistema socioeducativo tem como motivo, para a especialista, o fato de ele não estar adequadamente implantado. “O que temos, hoje, é a aplicação de medidas em meio fechado inadequadas”, afirmou.

Há um ano da implantação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – Sinase, Cesário comenta o quão difícil é encontrar uma experiência exitosa. “São casos muito raros. Em São Carlos, por exemplo, existe um atendimento que há muitos anos é considerado referencial, mas que não é feito totalmente pelo Estado, é feito em parceria com uma organização social. Ele tem mostrado resultados bastante positivos porque aplica de fato o que recomenda o ECA: desenvolve um plano individual de atendimento, ou seja, o adolescente é avaliado de acordo com o ato cometido e é feito um plano para que ele cumpra a medida e para que ele tenha uma nova perspectiva de vida”, contou.

“Quando olhamos a falta de implementação da legislação, vemos que isso leva a esses equívocos de proposição de novas legislações ou de emendas constitucionais e projetos de lei ao invés da implementação de um sistema adequado de atendimento, que promova o processo restaurativo desses adolescentes”, afirmou Cesário.

Oliveira lembrou ainda que, segundo levantamento do CNJ de 2011, em apenas 5% das ações judiciais envolvendo adolescentes existiam informações sobre o programa de acompanhamento. “Ou seja, o acompanhamento não é feito”, afirmou. Outro dado, este levantado por pesquisa da Fundação Abrinq, aponta que, de modo geral, o primeiro ato infracional é cometido entre os 15 e os 17 anos e que, em geral, a grande maioria havia abandonado a escola aos 13. “Antes de serem adolescentes infratores, eles foram crianças e adolescentes que não tiveram seus direitos assegurados. Estão fora da escola, muitas vezes desacompanhados da família, em situação de rua. É preciso olhar sobre essa dimensão e assegurar a essas crianças e a esses adolescentes a plenitude dos seus direitos como está previsto no ECA. Isso seria uma grande medida para evitar que, dos 15 aos 17 anos, grande parte deles possa cometer seu primeiro ato infracional”, disse.

Bernardo Vianna / VIA Blog

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