* Publicado originalmente no Blog Acesso no dia 21 de fevereiro de 2013.
“O cineclube por si só é uma atividade que promove o acesso”, afirmou Gleciara Ramos, da União dos Cineclubes da Bahia, organização responsável pela 29ª Jornada Nacional de Cineclubes, que será realizada no segundo semestre deste ano, em Salvador. “[O cineclube] É uma organização do público, as pessoas se organizam para elas mesmas programarem os filmes que querem ver, para escapar das redes hegemônicas”, disse.
A 29ª Jornada Nacional de Cineclubes acontece no ano do centenário dos cineclubes no mundo. “A primeira organização do público estruturada como um cineclube (associação democrática sem fins lucrativos e com o projeto de, através do cinema, garantir ao público acesso e participação na construção de um cinema que o representasse) e devidamente comprovada documentalmente é o Cinema do Povo, cooperativa de inspiração anarquista criada em Paris em 1913”, defende Felipe Macedo, cineclubista e pesquisador da Universidade de Montreal, no Canadá, em artigo disponível neste link.
O primeiro cineclube brasileiro foi o Chaplin Club, fundado em 1928, no Rio de Janeiro, por jovens universitários, promovendo debates sobre a linguagem cinematográfica no momento em que o cinema “mudo” dava lugar ao cinema “falado”. Em 1940, surgiria o Clube de Cinema de São Paulo, também fundado por estudantes. Fechado pelo Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP do Estado Novo, seria reaberto em 1946 e daria origem, já na década de 1980, à Cinemateca Brasileira, órgão do então Ministério de Educação e Cultura e, hoje, vinculada à Secretaria de Audiovisual do Ministério da Cultura. Também em São Paulo seria realizada, em 1959, a primeira Jornada dos Cineclubes Brasileiros, como era então chamado o congresso cuja história acompanhou os períodos de democracia e de ditadura brasileiros até os dias de hoje. Confira, neste link, a linha do tempo.
Interior e periferias se apropriam dos cineclubes
Segundo Gleciara Ramos, se antes os cineclubes eram organizados e frequentados principalmente por estudantes e pela classe média, hoje eles pertencem à população com menos acesso ao audiovisual. “No Brasil, o acesso ao cinema e ao audiovisual é muito escasso, 80% das cidades não têm sala de cinema. Mesmo nos grandes centros acabaram os cinemas de rua, as salas estão concentradas nos shoppings e em alguns circuitos de arte que atendem uma população mais concentrada no centro da cidade e nos bairros mais nobres. Mas a maioria da população, no modelo de cidade de hoje, se concentra nas periferias, onde não existem salas de exibição”, avaliou.
Atualmente, o movimento cineclubista, de acordo com a organizadora da 29ª Jornada Nacional de Cineclubes, concentra-se principalmente nas periferias e nas cidades do interior, em especial nos estados da Bahia e do Pará. “Temos cineclubes em movimentos ligados à agricultura familiar no interior, ligados a associações de moradores, ligados a grupos de capoeira. Entre os cerca de 80 cineclubes da União dos Cineclubes da Bahia, 50 estão em cidades do interior”, contou Ramos, que citou os Pontos de Cultura como influência para essa descentralização.
Outro importante papel dos cineclubes é abrir espaço para a produção nacional e para filmes em formatos e metragens que, em geral, não são exibidos nas salas de cinema. “Os cineclubes dão mais acesso aos filmes brasileiros, aqueles que não entram no circuito da televisão, que não são produzidos pela Globo Filmes. Existem pessoas no país inteiro produzindo filmes. Além disso, dão acesso aos curtas-metragens, que não tem janela de exibição no país”, afirmou.
29ª jornada e a caixa da diversidade
“A jornada será mais para fora do que para dentro”, disse Ramos ao explicar que a proposta do encontro a ser realizado em Salvador é discutir o acesso ao cinema, para além do movimento cineclubista, com toda a população e com o setor do audiovisual. “Faremos um seminário nacional sobre a distribuição de filmes, para fazer um diagnóstico da distribuição e da exibição, que são os principais gargalos para o acesso”, afirmou ao explicar que a proposta é, também, mostrar como o circuito não comercial promove o comercial pela formação de público.
Durante a jornada, será lançado o BOX Diversidade, da distribuidora cineclubista Mar Digital, que será disponibilizado para escolas da rede pública da Bahia e para cineclubes e Pontos de Cultura de todo o país. A caixa de DVDs deverá reunir ao todo 100 filmes e ainda recebe inscrições até o dia 31 de março. “A temática é a diversidade, não só dos segmentos da sociedade, como gênero e questão étnica, como também diversidade de linguagens”, explicou Ramos. O regulamento e a ficha de inscrição estão disponíveis no site da 29ª Jornada Nacional de Cineclubes.
Bernardo Vianna / Blog Acesso