Publicado originalmente em Blog Acesso – o blog da democratização cultural em 1º de abril de 2014.
Na madrugada do dia 1º para o dia 2 de abril, há cinquenta anos, o então presidente do Congresso, senador Auro de Moura Andrade, declarava vago o cargo de presidente. Estava dado o golpe que depôs João Goulart, deflagrado pela marcha do general Olympio Mourão Filho sobre a Guanabara no último dia do mês de março. Dali em diante o Brasil experimentaria 21 anos de ditadura.
Às vésperas do aniversário de 50 anos do golpe, se tem podido assistir inúmeros debates, seminários e outros eventos promovidos em torno do tema. Assim, cabe discutir, da mesma forma, o que significaram os anos que se seguiram àquela madrugada de abril para a cultura. A questão, até hoje, inspira reflexões e a criação no campo das artes.
Em um primeiro momento, anterior a 1968, “a ditadura pareceu tolerar ou negligenciar a cultura de protesto (música, cinema, literatura, artes plásticas) elaborada por artistas e intelectuais que, através de sua arte e de seu humor, criticavam a censura e o regime, incentivavam a rebeldia e denunciavam o terrorismo cultural”, escreveram os historiadores Daniel Aarão Reis e Denise Rolemberg em Memórias Reveladas, projeto do Arquivo Nacional que reúne informações sobre o período. O acervo pode ser consultado por meio deste link.
Após o Ato Institucional de número 5, decretado em 1968, acirrou-se a censura e grupos simpáticos à ditadura passaram a ameaçar ou mesmo atacar manifestações artísticas, como na ocasião da agressão ao elenco e destruição do cenário do espetáculo Roda Viva, texto de Chico Buarque com direção de José Celso Martinez Corrêa, em julho daquele ano. “Com o AI-5, diminuíram drasticamente, embora não fossem extintas as margens para este tipo de arte comprometida com as lutas sociais e os programas políticos derrotados em 1964”, continua o texto.
Por outro lado, manifestações culturais como a Jovem Guarda, os programas humorísticos televisivos e as novelas, que pouco foram assediadas pelo regime de então, tornaram-se bastante populares. No cinema, a Embrafilme, agência do Estado criada em 1969, financiou produções nacionais, em grande parte, que exploravam relações pessoais ou questões de costumes.
Em 1964
Entre as instituições cuja programação se dedica no momento a discutir os 50 anos do golpe que instaurou a ditadura no Brasil, o Instituto Moreira Salles – IMS propõe, com a exposição Em 1964 – Arte e Cultura no Ano do Golpe, uma imersão a partir do ponto de vista de artistas e intelectuais. Pode-se explorar os fatos culturais de 50 anos atrás por meio de obras da literatura, da fotografia, do cinema e da música que fazem parte do acervo do IMS.
Filme com trechos exibidos na Em 1964, Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho, foi interrompido em 1964 e apenas finalizado nos anos 1980, após a redemocratização. Fazem também parte da exposição os originais de dois dos mais importantes livros de Clarice Lispector, A paixão segundo G.H. e A legião estrangeira, publicados no ano do golpe. A edição do programa Roda Viva em que Rachel de Queiroz explica seu apoio a Castelo Branco é mais uma das peças da exposição. O programa, do qual Caio Fernando Abreu participou como entrevistador, está disponível nesta página.
A exposição no IMS, que fica no Rio de Janeiro, é complementada pelo conteúdo disponível no site http://em1964.com.br/. Entre os diversos materiais, destacamos aqui a íntegra da recriação do show Opinião, que estreou originalmente em dezembro de 1964 com Nara Leão, Zé Keti e João do Vale.
Resisitir é preciso
Já tendo percorrido Brasília e São Paulo, a exposição Resistir é Preciso permanece no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro até o dia 28 de abril, quando então segue para Belo Horizonte. Criada pelo Instituto Vladimir Herzog, a mostra aborda o período da ditadura a partir das publicações e das pessoas, entre jornalistas, escritores, estudantes e ativistas, que resistiram por meio da palavra impressa.
Assim como a exposição do IMS, também a Resistir é Preciso mantém um site no qual é possível encontrar material e informações complementares. É possível pesquisar publicações da imprensa alternativa, da clandestina ou da imprensa de resistência produzida no exílio. Jornais como O Pasquim, O Sol e Flor do Mal fazem parte do acervo, assim como vídeos com os depoimentos de sessenta jornalistas e militantes políticos “que combateram a ditadura militar armados de máquinas de escrever, mimeógrafos e impressoras offset”. Confira através deste link.
Bernardo Vianna / Blog Acesso