Impactos sociais de grandes empreendimentos - Foto da Campanha Pare Belo Monte

Legislação não obriga empreendedores a mitigar impactos sociais de grandes obras e eventos

* Publicado originalmente em VIA blog – Direitos da Criança e do Adolescentes em 03 de julho de 2012.

Para a socióloga Graça Gadelha, especialista na questão da exploração sexual de crianças e adolescentes, o grande problema ao qual estão sujeitas as cidades em cujo entorno são realizadas as grandes obras de infraestrutura do País são os impactos sociais causados, principalmente, pela migração massiva atraída pela promessa de emprego e desenvolvimento. “No Brasil, você tem algumas situações típicas como a questão de Belo Monte, a questão de Jaci-Paraná, em Rondônia, ou mesmo as regiões sucroalcooleiras do Mato Grosso do Sul. O fato de estarem localizadas fora dos grandes centros urbanos faz com que elas tragam em seu bojo uma migração muito forte de trabalhadores que, às vezes, quase quadruplica a população local”, contou a socióloga.

Essas levas migratórias causam um aumento de demanda de serviços públicos básicos como saúde, saneamento, assistência social e educação que os municípios não têm como suprir. “Quando as obras chegam, não se pensa na população em termos de serviços de saúde, em termos de serviços que já são deficitários. Se você pega a realidade desses municípios antes das obras, verifica que a situação já era gravíssima. Aí, você triplica ou quadruplica uma população que vai demandar serviços de todas as naturezas, inclusive serviços sexuais, e cria algo extremamente perverso, extremamente cruel, porque quem é mais vulnerável a isso é exatamente a população de crianças e adolescentes”.

Também para Estela Scandola, diretora do Instituto Brasileiro de Inovações Pró-Sociedade Saudável – Centro-Oeste – Ibiss/CO, que coordenou a pesquisa Impactos do setor sucroalcooleiro na exploração sexual de crianças e adolescentes em Mato Grosso do Sul, o impacto decisivo se dá por conta da ausência de serviços públicos para o conjunto da população. “Quando você tem uma migração importante para uma localidade, os serviços de saúde, de assistência social, de segurança pública são extremamente afetados. Então, há a diminuição da capacidade de ação das políticas públicas para enfrentar os problemas já existentes e há, ainda, o agravamento de outros”, disse.

Graça conta que esteve recentemente em Jaci-Paraná, distrito de Porto Velho, na região da construção da Usina de Santo Antônio. “É alarmante. Descaracteriza completamente a realidade da população local, a sua cultura, a sua identidade. Chega aquela grande obra e, sob o pretexto de que se está fazendo algo em prol do desenvolvimento – que eu acho que é outra discussão que precisa se dar no Brasil –, simplesmente as coisas vão acontecendo e não se cria, paralelamente, um bom compasso entre a implementação da obra e as políticas públicas”, disse.

Estela, que também visitou o entorno das construções das usinas de Jirau e Santo Antônio, conta que os homens têm oportunidade de sociabilidade em cidades muito pequenas. “Em uma cidade de 4 mil habitantes em que você tem 22 mil homens trabalhando, você tem cinco vezes mais pessoas do que a planta já existente. Então, perguntei a um deles: o que acontece quando vocês vêm para cá e não tem trabalhadoras sexuais suficientes para todo mundo? Sabe o que ele falou? ‘A gente vai para a Bolívia’. E ao atravessar para a Bolívia, o que se vê é uma quantidade imensa de adolescentes e mulheres trabalhando nos serviços sexuais e pouquíssima ou nenhuma condição de garantia de direitos. Não dá para transferir o problema de um lugar para o outro”, afirmou.

Turismo sexual

No caso dos grandes eventos esportivos, além dos impactos causados pela construção da infraestrutura, há ainda a questão do turismo sexual. “Um outro fator que, a meu ver, também vai criar uma dificuldade ainda maior é como trabalhar o setor turístico na questão da exploração sexual, que existe, sobretudo, nas regiões litorâneas”, disse Gadelha.

De acordo com a socióloga, o problema da exploração sexual de crianças e adolescentes acaba sedo potencializado durante os grandes eventos, para os quais é esperado aumento do número de turistas. “Fica fora do controle, porque não foram adotadas medidas que pudessem minimizar toda essa situação a que está exposta a criança e o adolescente. Se você for analisar, em nenhuma cidade isso está sendo feito. O que mais nos estarrece, do ponto de vista de especialista na área, é exatamente isso. Você não vê acontecer alguma experiência, alguma boa prática que esteja sendo desenvolvida e possa responder a isso de forma mais efetiva”, disse.

Escassez de dados sociais

Para as especialistas, o grande obstáculo para o enfrentamento da exploração sexual de crianças e adolescentes é a escassez de dados e de pesquisas sobre o tema. De acordo com Graça Gadelha, a última pesquisa realizada em âmbito nacional foi a Pesquisa Nacional sobre o Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes, de 2002. “De lá pra cá, não temos a realidade, o estado da arte desse cenário e isso é grave”, enfatizou.

Sem o conhecimento do impacto das grandes obras de infraestrutura sobre a exploração sexual infanto-juvenil, a proposição de políticas públicas ou a exigência de ações de mitigação de impactos é dificultada. “Como não existe um estudo do impacto, ficamos reféns de uma discussão ainda por ser feita.  Não conseguimos exigir as coisas, porque ficamos sem saber exatamente o que é que está acontecendo. Essa é uma questão fundamental para trabalharmos”, afirmou Estela Scandola.

A pesquisadora ressalta que, atualmente, o fato de que a instalação de grandes projetos causa impactos sociais relacionados ao aumento da população dos municípios é amplamente conhecido. Porém, no Brasil, não existem leis que obriguem os responsáveis a direcionarem recursos para a prevenção e redução de impactos sociais nos municípios atingidos.

“Em décadas passadas, a construção de uma usina de energia levava 20 anos e, hoje, se constrói em cinco. Não tem como dizer que vai ser construído com pequenas migrações, pelo contrário, existe uma aceleração da migração importante. Ou seja, as empresas já sabem que para realizar grandes obras terão grandes levas migratórias. Não é nenhuma novidade que haverá um aceleramento do crescimento, da migração. Só que isso não está no estudo de impacto. A legislação não prevê essas coisas. Na área da infância, nós não temos onde nos apegar nessa discussão. Essa é a grande questão colocada”, explicou.

Bernardo Vianna/VIA Blog

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