Instrumentos para a democratização da gestão escolar

* Publicado originalmente no Blog Educação em duas partes, nos dias 10 e 12 de junho de 2013. Esta é a primeira parte, a segunda parte está disponível neste link. A apuração subsidiou o programa Conexão Futura, do Canal Futura, exibido no dia 10 de junho e disponível neste link.

A Escola José Ursulino Malaquias, da rede de ensino fundamental do município alagoano de Arapiraca, está localizada em uma área periférica, um conjunto habitacional construído há poucos anos para uma população oriunda de barracos e casas de lona, em grande parte pessoas cujo acesso à educação escolar foi bastante deficitário. A própria escola não tem mais do que seis anos de atividade, mas, apesar disso, tem tido sucesso no enfrentamento à evasão e à infrequência dos alunos por meio de ações de seu conselho escolar, que mobilizou professores, alunos e seus pais e articulou parcerias com o conselho tutelar local e a Secretaria de Educação do município para enfrentar o problema.

Evanilson Duarte, diretor da escola, conta que, embora hoje a gestão participativa por meio do conselho escolar esteja avançando, a mobilização da comunidade, no princípio, foi difícil. “Eles [os pais] não aceitavam quando a gente os chamava à escola. Estavam acostumados com escolas em que o aluno era simplesmente suspenso e em que isso, por vezes, não era nem comunicado”, disse. Para os pais, o diálogo com a escola não era algo com o que estivessem habituados. “Os pais estavam acostumados a chegar na escola e pegar a transferência, sem qualquer satisfação do diretor. Aqui, a gente chama os pais e pede o apoio deles. Com isso, eles foram se adaptando e, hoje, participam bastante”, contou o diretor.

Compreende-se a desconfiança inicial dos pais. A gestão democrática da educação, embora seja um dos princípios da Constituição de 1988, traz, em seu bojo, uma concepção de escola diferente da tradicional por ser participativa, uma concepção reforçada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB de 1996. Os conselhos escolares, órgãos colegiados constituídos no interior das escolas por representantes de todos os atores da comunidade escolar, como professores, gestores, funcionários, alunos e pais de alunos, são os instrumentos por meio dos quais essa nova concepção atua.

“A gente tem que, cada vez mais, assumir a concepção de que a escola é o local onde os filhos de uma comunidade são educados. E essa comunidade também tem que participar da gestão da escola, não estamos mais na época em que a escola dependia só do diretor e dos professores. Para essa nova concepção de escola é necessário um instrumento de gestão no qual a comunidade também participe. Esse instrumento, como previsto em lei, é o conselho escolar”, explica Artur Costa Neto, vice-presidente da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação.

Para Neto, os conselhos precisam ser entendidos dentro do contexto do processo de democratização do País, como se observa também em outras áreas para além da educação. “Em quase todos os municípios, temos um conselho do idoso, um conselho dos direitos das crianças e dos adolescentes; já temos conselhos de saúde que, muitas vezes, decidem sobre os investimentos na área. Na área da educação, também temos os conselhos de alimentação escolar. É um grande avanço para a sociedade ter esses conselhos todos”, considerou.

Segundo dados do PDE Interativo, existem no Brasil 260 mil conselheiros escolares, e, de acordo com o Munic IBGE 2011 – Perfil dos Municípios Brasileiros, há conselhos escolares em 4240 cidades, ou 76,2% do total de municípios. No estudo Aprova Brasil – o direito de aprender, realizado por MEC, INEP e UNICEF, a gestão democrática é apontada como um dos cinco fatores mais importantes para garantir a aprendizagem das crianças e dos adolescentes. De acordo com o estudo, a “gestão democrática e a participação da comunidade escolar” são uma das dimensões do aprender.

Em Belém, o projeto Conselhos Escolares – Uma Experiência de Democratização da Educação e de Enfrentamento do Analfabetismo Escolar na Amazônia teve início há 10 anos, a partir de um levantamento para verificar a situação de tal dimensão do aprender nas escolas públicas municipais da capital paraense. Desenvolvido como uma das linhas de extensão da Universidade da Amazônia – UNAMA, o projeto, hoje, atua junto aos conselhos de 59 escolas da rede municipal e 24 da estadual para promover a formação de conselheiros, a qualidade da educação e, conforme a necessidade da escola, eixos adicionais como protagonismo infanto-juvenil, alfabetização ou violência nas escolas.

Segundo a coordenadora do projeto, a professora Graça Lima, os conselhos escolares com que trabalha enfrentam dificuldades como a grande rotatividade de seus representantes e a complexidade dos processos de prestação de contas. “Nós capacitamos conselheiros principalmente para a prestação de contas. As escolas, muitas vezes, são vistas pelos programas do governo, penso eu, como empresas, que têm de prestar contas em tempo hábil. Mas não há, dentro do conselho escolar, um contador, então eles têm grande dificuldade. Gestores e professores em geral têm formação em curso superior, mas os representantes da comunidade ou dos pais nem sempre têm. Atuam no conselho porque estão envolvidos com a qualidade da educação, querem uma escola melhor para seus filhos, mas têm grande dificuldade. Então, algumas escolas acabam inadimplentes e não recebem recursos”, explicou a especialista.

Lima conta que, como as funções dos conselheiros são pedagógicas, administrativas e financeiras, as formações são planejadas a partir das necessidades de cada conselho. Como exemplo, a especialista falou sobre dois casos bem-sucedidos, nas escolas Amancia Pantoja e Sírio Pimenta, onde foram desenvolvidos debates sobre sexualidade, violência doméstica e na escola, o papel da família na educação e pedofilia. “A escola é que vem para dentro da universidade. Essas duas experiências exitosas saíram dos conselhos, eles colocaram as questões e nós encaminhamos as atividades de formação”, disse.

Para a especialista, a gestão democrática das escolas é um processo ainda em seus primeiros estágios. “É uma caminhada. Percebemos que, muitas vezes, a escola é fruto daquela escola do silêncio que nós tivemos e é preciso trabalho para superar isso. As pessoas se acostumaram a ficar quietas, mas hoje deve haver participação, deve haver articulação. Não se pode mais pensar a escola como a gestão de uma só pessoa, os atores que compõem a comunidade escolar precisam participar, opinar, refletir, discutir, tudo em prol do processo de ensino e aprendizagem”, afirmou.

Para a diretora escolar Carmem Campanelli, de Bebedouro, interior de São Paulo, tal processo de flexibilização dos gestores escolares para o diálogo é uma das dificuldades a serem superadas. “Estamos passando por uma transformação muito grande. A gestão democrática participativa é mais difícil para o gestor, porque abre a escola para opiniões e sugestões e é preciso uma flexibilidade muito grande”, observou. Apesar disso, a diretora acredita que é um processo que contribui com o trabalho da escola, uma vez que  a comunidade, as famílias, os professores e os funcionários passam a ser coautores do projeto educacional. “Eles decidem desde a proposta pedagógica, passando pelos gastos da escola, até as metodologias aplicadas, é uma troca muito grande de opiniões. Isso é bom porque começa a educar a comunidade sobre o processo de aprendizado”, afirmou ao lembrar como, nas escolas em que trabalhou, os próprios pais, envolvidos por meio do conselho escolar, passaram a se apropriar de termos e conceitos pedagógicos e a discuti-los com os professores. “É uma educação coletiva, a aprendizagem e a construção do conhecimento ultrapassam os muros escolares”, disse.

Campanelli foi diretora de três escolas do município de Bebedouro, três situações em que, segundo ela, a experiência de gestão democrática foi bastante intensa. Em 2010, na EMEB Professor Lellis do Amaral Campos, localizada em um dos bairros mais antigos da cidade, que também concentra graves problemas sociais, o conselho escolar realizou, por ocasião da elaboração do plano plurianual da cidade, um encontro para debater as prioridades do bairro, reunindo conselhos de escolas do município, comunidade, grêmios estudantis, pais, alunos e professores. “Foi uma experiência maravilhosa, que os tornou mais politizados, conhecedores de seus direitos e da importância da participação no conselho”, comentou.

Já em 2012, na escola Professor Paulo Rezende Torres de Albuquerque, Campanelli orientou a elaboração de combinados de convivência, itens para o melhor andamento das atividades escolares, que foram votados em assembleia, estabelecendo o regimento escolar e, a partir dele, o projeto político-pedagógico da escola. A mais recente experiência de Campanelli com conselhos escolares aconteceu entre fevereiro e março de 2013, com um projeto de reflexão sobre a violência na escola Professora Yolanda Carolina Giglio Villela. “Foi reunido o conselho e as crianças receberam coletes de monitores – um para o monitor de aprendizagem e outro para o monitor de harmonia. O primeiro ajuda a professora e os colegas com dificuldade de aprendizagem, o segundo resolve conflitos e conquista ali a harmonia entre os colegas”, explicou. Segundo explicação da gestora, cada sala tem dois monitores, que se alternam diariamente. “Reunimos os colegiados, a comunidade, a família, toda a escola para esse projeto. A criança adquire essa competência de argumentação, de olhar o outro, de ouvir as partes e de refletir sobre suas ações. Tivemos uma avaliação bastante positiva: já conseguimos, em dois meses, diminuir em quase 60% a depredação do patrimônio público e a violência dentro da escola”, contou Campanelli ao avaliar que o sucesso do projeto deve-se ao sentimento de pertencimento instigado na criança, à sensação de fazer parte do processo educacional.

Bernardo Vianna / Blog Educação

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