Gênero e sexualidade sempre estiveram nas escolas – parte 2

Publicado originalmente no Blog Educação no dia 9 de setembro de 2015.

Apesar de retiradas dos Planos de Educação, as temáticas gênero e sexualidade estão presentes no cotidiano escolar. “A escola é o lugar em que as crianças e os adolescentes passarão a maior parte da sua vida, onde eles constroem seus valores, suas redes de sociabilidade. Se a questão do gênero e da sexualidade não é abordada claramente, ela vai aparecer de outras formas”, avalia Vanessa Leite, coordenadora de formação do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos – CLAM, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.

Marlene Tamanini, pesquisadora e vice-coordenadora do Núcleo de Estudos de Gênero da Universidade Federal do Paraná – UFPR, lamenta a exclusão das temáticas dos Planos de Educação. Para a especialista, a discussão de gênero e sexualidade poderia ser um espaço de democratização da escola, onde crianças e adolescentes poderiam encontrar um lugar de proteção e apoio. “Quando a gente cerceia esse debate, a gente condena um grupo de meninas e meninos ao silêncio, à invisibilidade, à perseguição. Isso é violência, que se estrutura por meio de uma instituição que deveria estar zelando pela superação das desigualdades sociais”, argumenta.

Da mesma forma, a professora Belinda Mandelbaum, do Laboratório de Estudos da Família, Relações de Gênero e Sexualidade da Universidade de São Paulo – LEFAM-USP, concorda que a escola poderia ser um lugar de apoio para os alunos que enfrentam discriminação em outros espaços. “Questões envolvendo gênero e sexualidade estão presentes de diversas formas nas escolas e, como a gente tem visto, às vezes de modo violento com alunos e alunas. Parece-me claro que a escola deve ter alguma responsabilidade em relação a isso. Quando a escola se omite, ela está sendo irresponsável”, afirma.

Escola como espaço de acolhimento

A coordenadora do CLAM chama a atenção para o problema gerado pela falta de espaços em que os temas gênero e sexualidade possam ser discutidos de forma aberta. “Muitos adolescentes estão sendo formados em sua sexualidade através da pornografia por ausência de espaços em que possam falar sobre esse tema, que ainda é um tabu na maioria das famílias”, alerta. “Os adolescentes não contam com um espaço para conversar sobre suas dúvidas, sobre seus desejos, e acabam procurando, por exemplo, a pornografia – e a gente acaba vendo a reprodução de relações que são sexistas, que desqualificam o corpo da mulher, que colocam a mulher em um lugar de subalternidade”, explica.

Para Leite, negar a discussão de gênero na escola acaba por manter valores que, ao mesmo tempo em que desqualificam as meninas, são também muito pesados para os meninos, de quem é cobrado um tipo de masculinidade baseada em virilidade extrema e agressividade. “É o momento de refletirmos sobre que homens e que mulheres queremos formar para a nossa sociedade. Se acreditamos que é fundamental para a sociedade que tenhamos homens e mulheres com relações mais igualitárias, fraternas e de mais respeito, é fundamental que a gente trabalhe isso com as crianças e adolescentes nas escolas”, afirma.

Desconstruir estigmatizações e preconceitos relacionados ao gênero e à orientação sexual, para Tamanini, é fundamental para uma sociedade que se quer democrática. “Tratar esse tema é uma forma de combater a violência e a discriminação contra mulheres, contra pessoas LGBT, contra a diversidade. Retirar isso das escolas é um retrocesso na defesa dos direitos humanos”, argumenta.

Leite recorda que, quando o adolescente começa a conhecer sua sexualidade, ainda é, em muitos casos, problemático descobrir-se homossexual, pois a discriminação pode acontecer dentro das próprias famílias. “Mais um motivo para as escolas estarem preparadas para lidar com isso e também com as pessoas que vivem trânsitos de gênero, que desejam viver em um gênero diferente daquele que foi designado quando nasceram. Esses adolescentes também estão na escola e é importante que a escola saiba lidar com esse grupo, porque o que a gente tem visto é o número crescente de casos de discriminação e de desrespeito”, afirma.

Formação do educadores

Com a exclusão das questões de gênero e de orientação sexual dos Planos de Educação, de acordo com Leite, é também prejudicada a formação dos educadores, que acabam por ficar receosos de abordar esses temas na escola. “O que eu tenho observado, em encontros, oficinas e palestras, é o discurso dos educadores sobre a importância de garantir, para os profissionais de educação, um espaço de formação e reflexão. Os temas gênero e sexualidade estão na escola e, se o educador não se vê com ferramentas para lidar com essas temáticas, ele acaba tendo uma postura equivocada ou, por insegurança, silencia”, conta.

Para Mandelbaum, é fundamental incluir as questões de gênero e sexualidade na formação dos professores. “É possível promover projetos integrados em diversos níveis, em disciplinas como Biologia ou Geografia, os alunos poderiam fazer pesquisas sobre a questão do gênero no Brasil, sobre a desigualdade de gênero, sua história. São tantas disciplinas que poderiam se agrupar e isso ser matéria para estudo”, observa ao explicar que, para além do conteúdo, trata-se de um tema importante para o desenvolvimento da empatia e do respeito mútuo. “O diálogo é fundamental para as pessoas poderem pensar sobre a situação e se colocarem no lugar do outro. Aquele que tende a ser mais violento e a praticar bullying, por exemplo, pode se colocar no lugar do outro que é vítima, reconhecer e ouvir o sofrimento que o outro passa e, talvez, a partir daí, gerar mais respeito mútuo e mais acordos de convivência”, diz.

Tamanini considera que os temas relacionados a gênero e sexualidade demandam formações amplas e continuadas para todos os níveis de docência, além do fomento e da difusão de materiais educativos para gerar e circular mais informações. “À medida que a gente abre a discussão, temos mais condição de gerar uma sociedade em que sejam respeitadas as temáticas de gênero, que são temáticas também de apoio emocional e afetivo, não para que se concorde ou discorde delas, mas para dar às pessoas espaço de acolhida, de diálogo e de reflexão. Pois até falar de si é muito difícil se o clima da escola for de perseguição”, avalia.

Bernardo Vianna / Blog Educação

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